COMPANHEIRO, O TEMPO SEPAROU A GENTE.
Sem mais nem menos, de repente, assim, do nada, e a gente não tem mais o convívio de pessoas que eram presentes, que estavam à distância de um abraço, uma hora, cinco estações de trem, três pontos de ônibus, um maço de cigarros, meia dúzia de cervejas.
Pode ser falta de tempo, de espaço, de dinheiro, de estratégia, mas nunca de assunto, de carinho, de risada e de vontade.
Companheiro, o tempo separou a gente, fez de você uma margem de rio e de mim uma lasca de pedra; vamos esperar que um menino apareça, se abaixe e me atire aí pro teu lado, quem sabe eu vá quicando sobre as águas e chegue aí numa onda...
Os caminhos nunca são e nem podem ser retos, a gente tem que contar com as curvas, com os atalhos, com as portas fechadas, as escadas, os becos, porões,para que a direção não fique só na mão do previsível, embora o indicativo seja um argumento afiado.
De vez em quando um vento envelopado traz uma saudosa polêmica, uma discordância, um murro na mesa; traz palavras enviesadas, como aquelas que a gente sustentava para não perder o debate, que discordava só para não ter que ficar em silêncio.
O tempo, companheiro, nos deixa maduros, mas não pode nos tirar a liberdade de pensar que ainda somos capazes de subir numa árvore, pular um muro; ele avança algoz para cima da gente, enfraquece os fios dos cabelos, pinta as barbas de branco, mas não consegue calar a nossa voz enquanto estivermos enxergando pessoas caminhando na mesma direção.
Companheiro, o tempo separou a gente, deu um ticket diferente para cada um, viajamos rumo opostos, ou cruzamos a rua encoberto por guarda-chuvas. Lá na frente, sei lá quando, pode ser que a bicicleta esteja com pneus novos e a gente pedala, pedala, pedala...
Ricardo Mezavila.