É DOCE MORRER NO MAR

Dorival Caymmi tinha fascínio pelo mar. As jangadas e os pescadores foram o mote da maioria de suas composições. É difícil se pensar nele sem que se evoque uma canção que não haja uma tragédia no mar ou um retorno feliz dos pescadores.

Hoje, vendo as velas do Mucuripe sendo içadas no conto “Ausência”, da cearense Iolanda Pinheiro, que, numa narrativa comovente e linear, ela conta a história trágica de pescadores ao mar, me lembrei de um acontecimento que até hoje me causa estremecimento e arrepios quando imagino a cena.

Eram cinco pescadores de um restaurante chamado “O Lagostão”, na Praia da Avenida, em Maceió, e estavam em alto mar pescando lagosta. Acordaram cedo no quarto dia, em preparativos de volta para casa. O sol ainda não despontara no horizonte e se reuniram na proa para tomar café e conversar antes de levantar âncora com destino ao litoral. Faziam planos e teciam sonhos para depois do desembarque. Estavam felizes. A pescaria havia sido das melhores e o dinheiro daria para comprar a farda e os livros dos filhos de quem os tinham. Dos cinco, apenas um era solteiro e planejava gastar sua parte com as mulheres vadias do porto. E tão absortos estavam na conversa que só perceberam a onda gigante quando o barco estava emborcando. Homens despejados ao mar do mesmo jeito que eles despejavam os peixes que não interessavam.

O mestre, com água pelo pescoço, não entedia o que tinha acontecido. Quando tomou consciência, o barco havia afundado e três companheiros estavam desaparecidos. Viu apenas o pescador solteiro deitado em uma tábua flutuante desgarrada do barco. Só naquele momento ele ficou sabendo que o rapaz não sabia nadar.

Sem ter o que fazer, entregaram-se ao sabor da correnteza que certamente iria empurrá-los para a praia. Passaram o dia e a noite flutuando. Na madrugada, avistaram as luzes do litoral. Animaram-se, mas não tinham forças para remar com as mãos. Quase vinte e quatro horas sem comer e sem beber água. Perto do meio-dia foram resgatados por um barco de pesca nas águas da Barra de São Miguel, distante sessenta quilômetros do local de partida, a praia de Jacarecica, em Maceió.

O fundo do restaurante Lagostão ficava em frente ao juizado de menores, onde fui pegar uma autorização de viagem para meus filhos que vieram passar as férias comigo e precisavam retornar a Salvador. A tristeza e o choro eram imensos. Quando saí do juizado fui saber do que se tratava. O pescador solteiro foi quem me contou a história e os seus detalhes. Fiquei a imaginar a cena de pessoas planejando sonhos e vivendo a expectativa de reencontrar a família e no momento seguinte só haver apenas lágrimas tentando abrandar a fúria do oceano. Então compreendi que as águas marinhas são salgadas pelas lágrimas da legião de viúvas, órfãos e amigos dos que foram ao mar em busca de sonhos e viraram espumas na linha do horizonte.