A década de sessenta foi extraordinariamente rica e só faltou JK ter governado nela. No Brasil e no mundo foi uma sucessão de fatos muito fora do comum que nos fazem tomá-la como referência de uma época de sonhos e realizações, pesadelos e realismo, criatividade e revolução.
Grandes lutas pelo fim da discriminação racial, surgimento da liberdade hippie e da música dos Beatles e a invenção da pílula anticoncepcional são apenas alguns exemplos para aquecimento. O homem chegou à lua e os grandes festivais da Música Popular Brasileira enchiam ginásios e produziam ídolos. Este caldo de transformações foi a motivação principal de muita gente para o desenvolvimento profissional e cultural.
A geração sessenta é aquela que desfrutou dela como adolescente, com todo o direito de sonhar e fazer bobagens. Flertar era quase uma diversão, mas ultrapassar o horário das dez para chegar em casa era proibido. Mesmo assim os jovens eram responsáveis. Quase todo mundo sabia o que desejava ser na vida.
A juventude costumava ser engajada. Não era incomum encontrar garotos que ainda não tinham serviço o Exército ter consciência do mundo.
Discutia-se a aldeia global prenunciada por McLuhan ao mesmo tempo em que as informações eram avidamente compartilhadas através de jornais e revistas. A Enciclopédia Britânica era quase obrigatória para quem desejasse mostrar cultura. Cassius Clay foi meu primeiro ídolo. Admirava também John Kennedy, um estadista simpático às minorias negras e dotado de grande talento para agradar às massas. Mas seu fracasso na invasão da Baía dos Porcos em Cuba e perder a corrida espacial para a União Soviética foi difícil de engolir.
Quase todas as estradas eram de terra. Viajar de uma cidade a outra só de trem ou de ônibus, pois ninguém tinha carro ou moto. Quando chegava uma notícia, era para ser comentada. Todos tinham tempo suficiente para digeri-la e discutir suas nuances. O cinema, “ainda a maior diversão”, era coisa a ser cultuada para ter direito a uma roda de papo-papo. Ser culto incluía saber de coisas que os olhos não viram e os sentidos não experimentaram.
Como surgiu Elvis? Quem era o astro de Assim Caminha a Humanidade? Quais eram os atores principais de Casablanca? Quem foi o capitão da primeira conquista do campeonato mundial de Futebol? Quando rodou o primeiro fusca brasileiro? Quantos quilômetros tinha a Belém-Brasília?
Ufanistas, os jovens exaltavam Maria Ester Bueno e os filmes Orfeu Negro e Pagador de Promessas. O Brasil começava a dar certo, diziam. Os punhos de Éder Jofre eram nossos punhos. E a Bossa Nova, sucedida pela juventude iê-iê-iê, rivalizava com os sucessos dos Beatles. Os brasileiros, querendo bater recordes, admiravam a ousadia do bando de Tião Medonho no assalto ao trem pagador. Tudo o que fosse novidade era bem vindo, até mesmo a vassourinha do Jânio Quadros para espetar na gola da camisa.
Jovens gostavam tanto de ler quanto de compor poemas. Era a época em que eram moda os sonetos alexandrinos de Olavo Bilac. As moças colegiais, mais românticas, adoravam J. G. de Araújo Jorge. Yuri Gagarin disse: “a terra é azul” e então vestir azul virou moda.
JK era o Presidente Bossa Nova, mas quem aprendeu a tocar o ritmo no violão foi a primeira dama Maria Tereza Goulart. Carlos Lacerda tramava contra tudo e contra todos, era um esfacelador de presidentes. Foi neste ambiente que as “forças ocultas” alegadas por Jânio Quadros apareceram sob a forma de Forças Militares que derrubaram Jango e instalaram o regime militar no Brasil. Brizola teria fugido para o Uruguai vestindo roupa de mulher. O medo do comunismo imperar no Brasil se tornou o calcanhar de Aquiles dos conservadores dos anos 60.
Clark Gable morreu. Kennedy morreu. Marylin morreu. Cândido Portinari morreu. Guimarães Rosa morreu. Nossos ídolos já não eram mais os mesmos. Enquanto era criada a Aliança para o Progresso como instrumento de união das Américas (“América para os americanos”) surgiu a Guerra Fria e o Muro de Berlim.
Sim, o Brasil era um país racista. E nas cidades do interior ainda se praticava a segregação social. A frase “cada um no seu quadrado” não é daquela época, por isso se dizia: “fica na sua!”. A seleção brasileira recebeu ordens para convocar mais jogadores brancos. Esta tentativa de embranquecimento no esporte tinha o viés de demonstrar ao mundo que éramos descendentes de europeus, não de africanos. Minas Gerais, de onde venho, não tinha alemães e poloneses, mas sim italianos e turcos.
Tudo a mesma coisa, era um conforto pensar assim. Dessa forma a geração sessenta foi bafejada pela sorte de se desenvolver em meio a uma tempestade de movimentos em prol da igualdade racial. E só por isso as sessões de cinema ficavam sempre cheias para assistir “Ao Mestre com Carinho”, estrelado pelo negro Sidney Poitier. E antes que fosse assassinado, Martin Luther King era tão popular entre nós quando Kennedy e JK. O Brasil era racista e ainda por cima Pelé foi se casar com uma branca em 1966.
A música brasileira, além das populares Dalva e Ângela Maria, tinha representantes do chamado gosto fino: Maísa, Dolores Duran, Silvinha Teles e Elizete Cardoso. De repente, uma revolução atropelou Nelson Gonçalves e Cauby Peixoto, revelando Roberto, Erasmo, Vanderléia e Ronnie Von. A mini-saia da inglesa Mary Quant fora feita na medida para mostrar os joelhos de Nara Leão e as pernas de Vanderléia. Nem mesmo o biquíni de Brigitte Bardot em Búzios fazia tanto sucesso.
Ari Barroso, conterrâneo de Ubá, morreu numa terça-feira de carnaval. Seu prestígio já não era o mesmo dos anos quarenta quando popularizou Aquarela do Brasil. Notícias de morte morrida não emplacavam tanto quanto os assassinatos. A morte de um estudante no restaurante Calabouço e do agitador Carlos Marighela num cinema do Rio de Janeiro impressionavam mais do que a de Rockfeller.
A política movimentava os jovens, nada de alienação. Todos tinham conhecimento da Guerra do Vietnã e, para variar, a torcida era em favor do mais fraco. Che Guevara morreu num lugarejo qualquer da América do Sul e só depois de alguns anos sua boina seria popularizada e sua frase “hay que endurecer pero sin perder la ternura jamás” seria estampada em camisetas dos jovens.
“O Direito de Nascer” parou o país, antes mesmo de Elis Regina e Jair Rodrigues encantar o país com O Fino da Bossa. E Chacrinha começou a jogar bacalhau para sua platéia, precedendo Ratinho nas baixarias. Havia então uma imensa onda de nacionalismo. Tentando protestar contra o regime militar, a juventude apoiava incondicionalmente os famosos festivais da MPB. Da noite para o dia surgiram: Edu Lobo, Elis Regina, Chico Buarque, Gil e Caetano, Milton Nascimento, Ivan Lins, Egberto Gismonti e Rita Lee. Foi também a época em que foi gestada a imortal Banda de Ipanema, sob a batuta de Albino Pinheiro, carnavalesco de dez costados.
Grandes movimentos libertários sacudiram a mamãe África, desmantelando o domínio europeu regular. O nosso berço iria balançar em águas pouco tranquilas depois disto, ficar sujeito a calamidades, fomes, indefinições políticas, guerrilhas, golpes de estado, muita miséria e nascedouro de doenças.
Fomos uma geração careta. Baseado era coisa de barra pesada. Não existia crack e ecstasy. Até o cigarro convencional era desestimulado, mas aí as mulheres dos anos sessenta, demonstrando independência, passaram a fumar. Nosso principal e às vezes único barato era a cuba libre. E no Carnaval, quando se liberava um pouco, dávamos umas cheiradas em lenço embebido de lança-perfume. Ele corria de mão em mão até não fazer nenhum efeito.
Todo mundo que leu O Pequeno Príncipe sabia recitar a frase “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. Fazia tanto sucesso quanto o primeiro transplante do coração procedido por um cardiologista sul-africano. Elvis se casou com suas vestes bizarras, com seu penteado bizarro, com uma noiva bizarra. Bizarra também era a cidade: Las Vegas. E então, já se aproximando o fim da década surgiu o chato Cinema Novo Brasileiro liderado por Glauber Rocha. Todo mundo então se apropriou de uma nova estética – literária, musical e artística. Por isso Tom e Chico foram vaiados até não mais poder no último festival de MPB com a igualmente chata Sabiá.
O Rio de Janeiro polarizava e todo mundo queria ir para lá. Também fui. Descobri os bares da Avenida Nossa Senhora Copacabana já ao apagar das luzes. Os cartazes do tipo “Mulher também toma cafezinho” infestaram os botecos cariocas, mais uma forma de atrair as mulheres para o mercado de consumo e a igualdade de gêneros. Foi ali que começamos a alçar nossos vôos, alguns modestos, outros ousados.
O homem chegou à lua e nós chegamos ao espaço infinito. Era o fim dos anos dourados.
Grandes lutas pelo fim da discriminação racial, surgimento da liberdade hippie e da música dos Beatles e a invenção da pílula anticoncepcional são apenas alguns exemplos para aquecimento. O homem chegou à lua e os grandes festivais da Música Popular Brasileira enchiam ginásios e produziam ídolos. Este caldo de transformações foi a motivação principal de muita gente para o desenvolvimento profissional e cultural.
A geração sessenta é aquela que desfrutou dela como adolescente, com todo o direito de sonhar e fazer bobagens. Flertar era quase uma diversão, mas ultrapassar o horário das dez para chegar em casa era proibido. Mesmo assim os jovens eram responsáveis. Quase todo mundo sabia o que desejava ser na vida.
A juventude costumava ser engajada. Não era incomum encontrar garotos que ainda não tinham serviço o Exército ter consciência do mundo.
Discutia-se a aldeia global prenunciada por McLuhan ao mesmo tempo em que as informações eram avidamente compartilhadas através de jornais e revistas. A Enciclopédia Britânica era quase obrigatória para quem desejasse mostrar cultura. Cassius Clay foi meu primeiro ídolo. Admirava também John Kennedy, um estadista simpático às minorias negras e dotado de grande talento para agradar às massas. Mas seu fracasso na invasão da Baía dos Porcos em Cuba e perder a corrida espacial para a União Soviética foi difícil de engolir.
Quase todas as estradas eram de terra. Viajar de uma cidade a outra só de trem ou de ônibus, pois ninguém tinha carro ou moto. Quando chegava uma notícia, era para ser comentada. Todos tinham tempo suficiente para digeri-la e discutir suas nuances. O cinema, “ainda a maior diversão”, era coisa a ser cultuada para ter direito a uma roda de papo-papo. Ser culto incluía saber de coisas que os olhos não viram e os sentidos não experimentaram.
Como surgiu Elvis? Quem era o astro de Assim Caminha a Humanidade? Quais eram os atores principais de Casablanca? Quem foi o capitão da primeira conquista do campeonato mundial de Futebol? Quando rodou o primeiro fusca brasileiro? Quantos quilômetros tinha a Belém-Brasília?
Ufanistas, os jovens exaltavam Maria Ester Bueno e os filmes Orfeu Negro e Pagador de Promessas. O Brasil começava a dar certo, diziam. Os punhos de Éder Jofre eram nossos punhos. E a Bossa Nova, sucedida pela juventude iê-iê-iê, rivalizava com os sucessos dos Beatles. Os brasileiros, querendo bater recordes, admiravam a ousadia do bando de Tião Medonho no assalto ao trem pagador. Tudo o que fosse novidade era bem vindo, até mesmo a vassourinha do Jânio Quadros para espetar na gola da camisa.
Jovens gostavam tanto de ler quanto de compor poemas. Era a época em que eram moda os sonetos alexandrinos de Olavo Bilac. As moças colegiais, mais românticas, adoravam J. G. de Araújo Jorge. Yuri Gagarin disse: “a terra é azul” e então vestir azul virou moda.
JK era o Presidente Bossa Nova, mas quem aprendeu a tocar o ritmo no violão foi a primeira dama Maria Tereza Goulart. Carlos Lacerda tramava contra tudo e contra todos, era um esfacelador de presidentes. Foi neste ambiente que as “forças ocultas” alegadas por Jânio Quadros apareceram sob a forma de Forças Militares que derrubaram Jango e instalaram o regime militar no Brasil. Brizola teria fugido para o Uruguai vestindo roupa de mulher. O medo do comunismo imperar no Brasil se tornou o calcanhar de Aquiles dos conservadores dos anos 60.
Clark Gable morreu. Kennedy morreu. Marylin morreu. Cândido Portinari morreu. Guimarães Rosa morreu. Nossos ídolos já não eram mais os mesmos. Enquanto era criada a Aliança para o Progresso como instrumento de união das Américas (“América para os americanos”) surgiu a Guerra Fria e o Muro de Berlim.
Sim, o Brasil era um país racista. E nas cidades do interior ainda se praticava a segregação social. A frase “cada um no seu quadrado” não é daquela época, por isso se dizia: “fica na sua!”. A seleção brasileira recebeu ordens para convocar mais jogadores brancos. Esta tentativa de embranquecimento no esporte tinha o viés de demonstrar ao mundo que éramos descendentes de europeus, não de africanos. Minas Gerais, de onde venho, não tinha alemães e poloneses, mas sim italianos e turcos.
Tudo a mesma coisa, era um conforto pensar assim. Dessa forma a geração sessenta foi bafejada pela sorte de se desenvolver em meio a uma tempestade de movimentos em prol da igualdade racial. E só por isso as sessões de cinema ficavam sempre cheias para assistir “Ao Mestre com Carinho”, estrelado pelo negro Sidney Poitier. E antes que fosse assassinado, Martin Luther King era tão popular entre nós quando Kennedy e JK. O Brasil era racista e ainda por cima Pelé foi se casar com uma branca em 1966.
A música brasileira, além das populares Dalva e Ângela Maria, tinha representantes do chamado gosto fino: Maísa, Dolores Duran, Silvinha Teles e Elizete Cardoso. De repente, uma revolução atropelou Nelson Gonçalves e Cauby Peixoto, revelando Roberto, Erasmo, Vanderléia e Ronnie Von. A mini-saia da inglesa Mary Quant fora feita na medida para mostrar os joelhos de Nara Leão e as pernas de Vanderléia. Nem mesmo o biquíni de Brigitte Bardot em Búzios fazia tanto sucesso.
Ari Barroso, conterrâneo de Ubá, morreu numa terça-feira de carnaval. Seu prestígio já não era o mesmo dos anos quarenta quando popularizou Aquarela do Brasil. Notícias de morte morrida não emplacavam tanto quanto os assassinatos. A morte de um estudante no restaurante Calabouço e do agitador Carlos Marighela num cinema do Rio de Janeiro impressionavam mais do que a de Rockfeller.
A política movimentava os jovens, nada de alienação. Todos tinham conhecimento da Guerra do Vietnã e, para variar, a torcida era em favor do mais fraco. Che Guevara morreu num lugarejo qualquer da América do Sul e só depois de alguns anos sua boina seria popularizada e sua frase “hay que endurecer pero sin perder la ternura jamás” seria estampada em camisetas dos jovens.
“O Direito de Nascer” parou o país, antes mesmo de Elis Regina e Jair Rodrigues encantar o país com O Fino da Bossa. E Chacrinha começou a jogar bacalhau para sua platéia, precedendo Ratinho nas baixarias. Havia então uma imensa onda de nacionalismo. Tentando protestar contra o regime militar, a juventude apoiava incondicionalmente os famosos festivais da MPB. Da noite para o dia surgiram: Edu Lobo, Elis Regina, Chico Buarque, Gil e Caetano, Milton Nascimento, Ivan Lins, Egberto Gismonti e Rita Lee. Foi também a época em que foi gestada a imortal Banda de Ipanema, sob a batuta de Albino Pinheiro, carnavalesco de dez costados.
Grandes movimentos libertários sacudiram a mamãe África, desmantelando o domínio europeu regular. O nosso berço iria balançar em águas pouco tranquilas depois disto, ficar sujeito a calamidades, fomes, indefinições políticas, guerrilhas, golpes de estado, muita miséria e nascedouro de doenças.
Fomos uma geração careta. Baseado era coisa de barra pesada. Não existia crack e ecstasy. Até o cigarro convencional era desestimulado, mas aí as mulheres dos anos sessenta, demonstrando independência, passaram a fumar. Nosso principal e às vezes único barato era a cuba libre. E no Carnaval, quando se liberava um pouco, dávamos umas cheiradas em lenço embebido de lança-perfume. Ele corria de mão em mão até não fazer nenhum efeito.
Todo mundo que leu O Pequeno Príncipe sabia recitar a frase “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. Fazia tanto sucesso quanto o primeiro transplante do coração procedido por um cardiologista sul-africano. Elvis se casou com suas vestes bizarras, com seu penteado bizarro, com uma noiva bizarra. Bizarra também era a cidade: Las Vegas. E então, já se aproximando o fim da década surgiu o chato Cinema Novo Brasileiro liderado por Glauber Rocha. Todo mundo então se apropriou de uma nova estética – literária, musical e artística. Por isso Tom e Chico foram vaiados até não mais poder no último festival de MPB com a igualmente chata Sabiá.
O Rio de Janeiro polarizava e todo mundo queria ir para lá. Também fui. Descobri os bares da Avenida Nossa Senhora Copacabana já ao apagar das luzes. Os cartazes do tipo “Mulher também toma cafezinho” infestaram os botecos cariocas, mais uma forma de atrair as mulheres para o mercado de consumo e a igualdade de gêneros. Foi ali que começamos a alçar nossos vôos, alguns modestos, outros ousados.
O homem chegou à lua e nós chegamos ao espaço infinito. Era o fim dos anos dourados.