O TREM, A MOÇA E O JUMENTO

Passei a noite viajando, a estrada era tensa, eu estava tenso, o mundo era tenso. Estrada mal sinalizada, a mata adentrando o asfalto, sinalização quase imperceptível, o caos. A qualquer momento um quadrúpedes invadiria a estrada e o menor prejuízo seria material. Com a ajuda divina chegamos ao destino, fazenda Cajazeiras, de propriedade de dona Francisquinha, por coincidência minha vó, que por mais coincidência ainda, eu o neto que ela mais amava. Eram quase quatro horas da manhã, o frio habitava a região e a poeira não saia da estrada, a luz se ficava no ponto onde ela estava, descemos rapidamente e se dirigimos para os aposentos, onde a baladeira já estava armada, dentro um lençol, com cheiro de ferro passado. Deitei do jeito que estava, comecei a pedalar e pensar na morte da bezerra, isso já beirava o raiar do dia, o sono veio de repente, eu já estava sonhando com uma viaje de trem, era uma moça linda que diria pra mim, ela estava comendo uvas, vendidas em Baturité, ela sorria para mim, quando de repente o trem apitou, era um apito estranho, muito diferente, e continuou a apitar, ficando quase como um som desagradável, diria muito que desagradável, continuou apitando até eu me acordar. Aí percebi que não era apito de trem, era sim um jumento relinchando na minha janela, anunciando o amanhecer, para a jumenta na roça ao lado, a exatos dois quilômetros. Bem na minha janela. Abri e dei uma lapada nele com uma corda da baladeira, ele rodou o rabo, deu dois coices no mundo, um peido pro céu e desceu a estrada. Jumento filho de uma égua, pensei. Me acordou. Bem no melhor do sonho. Senti o cheiro de café vindo da cozinha, já era hora de se levantar.

Fred Coelho
Enviado por Fred Coelho em 12/02/2019
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