Ainda vejo a luz brilhar
Fevereiro começou e as notícias tristes vieram junto. Parece que o Brasil enfrenta uma pessimista e terrível onda de azar. Jovens meninos morreram, famílias perderam seus amados e suas casas no Rio de Janeiro, outras pessoas ainda permanecem sem notícias de seus filhos, amigos e sobrinhas em Brumadinho, enfim, é muito sofrimento, muita dor sendo anunciada na televisão, nos noticiários, de boca em boca através das fofoqueiras do bairro.
Fica difícil ter esperanças quando acordamos e logo pela manhã sabemos que muito perto de nós moram pessoas que estão em constante aflição, sofrendo pela falta de alguém ou de algo necessário para a sobrevivência. Fica cada vez mais difícil viver em meio a tanta desgraça, pânico e falta de esperança. É difícil acreditar em dias melhores, em novas oportunidades e em uma solução. Com dias banhados pelas lágrimas, pela perda e pela dor de uma despedida não anunciada é que vamos enfrentando o caótico mundo. Morar nesse mundo está sendo viver em meio ao caos e em meio as dores agudas de uma sociedade faminta pela justiça, pela compaixão, pela fé.
Fica difícil ver luz onde a escuridão parece estar tão maior, tão mais poderosa. Pessoas que morrem, que perdem tudo, que vivem em situação de miséria e falta de assistência. Não só no Brasil, mas em muitos lugares do mundo outras pessoas acordam ou nem dormem de noite por causa da fome, da perda, do preconceito. Pessoas intolerantes, maldosas e ingratas. Estamos desvalorizando nosso semelhante, não temos mais a compaixão, o atento olhar pela necessidade do outro. Perdemos a capacidade de enxergar a dificuldade de nosso semelhante, que está bem ao nosso lado.
Ter esperanças com tanta tragédia é um ato ousado. É necessário audácia para ainda ter sonhos bons, para ainda crer na sociedade, para ainda querer mudar o mundo caótico. Mas, apesar de ser tão difícil, devemos ser luz. Devemos ser luz na vida dos que sofrem, na vida de nossos semelhantes, dos que perderam tudo, perderam seus amados amores, seus filhos e casas. Devemos ainda fazer a luz brilhar e acreditar que sem ela, mesmo que bastante fraca ultimamente, o mundo seria ainda pior. Apesar do caos e da tristeza estarem ganhando uma voz mais alta, um patamar mais elevado, a alegria e a esperança, a luz e a capacidade de sermos melhores e tentarmos o nosso melhor é ainda forte o suficiente para trazer paz aos corações aflitos.
São tempos difíceis. De fato, são. Mas não há garantias que nossa vida seria tranquila, um mar tranquilo com a brisa sempre fresca inundando a praia. As tempestades foram também prometidas, mas elas um dia cessam e o mar volta a acalmar. Não estamos preparados para ouvir desgraça, mas não pensamos duas vezes antes de fazer algo que pode ferir a natureza, alguém que amamos ou mesmo a nós mesmos. Tentamos reparar os estragos com palavras, amenizar com abraços e tentar ver que apesar de muita escuridão, de dias tristes e violentos, a nossa luz ainda pode acalentar corações, podemos ser lampiões dentro de cavernas, dentro de túneis, na noite fria e sem graça.
Apesar da dor, do poder do caos e da descrença diante de tanta aflição, ainda vejo a luz brilhar. Vejo nos sorrisos das crianças, no abraço dos voluntários e na fé que capacita o ser humano a acreditar no mais fiel de nossos amigos, não responsável pelo caos, mas o único responsável pela bondade, pela justiça e pelo amor. Alguém capaz de nos pegar no colo e nos acalmar o coração, porque Deus sabe do caos do mundo, conhece as lágrimas que caem escondidas de noite quando muitos pousam suas cabeças nos travesseiros. Ele conhece as aflições, as dores e a tragédia.
Ele viu os jovens meninos jogadores, cheios de sonhos, serem levados embora e sabe que muitos estão ainda em desespero pela perda de parentes em Brumadinho. Ele sabe disso tudo e sabe que há sofrimento, mas Ele não é o responsável por nada disso, porque onde há ganância, ódio e sofrimento, Deus não estará presente nunca. É preciso ver a luz que ainda brilha, porque lá, somente junto dela, é que veremos que Deus é ainda o mesmo que sempre foi e, então, acreditar que a luz ainda chega pela manhã, mesmo com tanta angústia e dor.