Repetição das variações
Todos os dias, durante três anos da minha vida, escutei o Bolero de Ravel que acompanhava a dança do Sol poente, ao entardecer da Praia do Jacaré. E se chovesse? O Sol também lá estava, de qualquer jeito se pondo, apenas escondido pela chuva e por nuvens escuras; mas tudo orquestrado como sempre. Além de ser um ritual, era uma obrigação da nossa parte, mais do que do Sol que, pela sua grandeza, pouco pode se esconder somente nas silenciosas horas da noite. Quando começava a descer na outra margem do Rio Paraíba, por trás da longínqua mata verde, Mocotó iniciava os primeiros toques da bateria; logo seguido pelo sax de Jurandir ou de Arnaud e aos quais se juntava o violino de Paulinho. Assim se foram 1.080 vezes que ouvi o Bolero de Ravel, com olhos no Sol poente, sem que aquele espetáculo viesse me enfadar alguma vez.
A boa música não enfada, sobretudo se foi composta na possível riqueza das suas variações. Quanto mais varia, mais dribla a monotonia, mais encanta, mais surpreende. E tais variações agradam à medida que oferecem aos nossos ouvidos a surpresa. Aristóteles assim filosofava: a arte é aquilo que nos provoca surpresa ou obra do artista que é capaz de causar surpresa. O genial Mozart, na sua juventude, brincava de improvisar variações, causando inveja e espanto a Antonio Salieri, maestro da Corte Real, que tinha sido professor de Liszt e Beethoven.
Parece-nos contraditório o bom gosto desejar que as variações sejam repetidas; há quem passe o dia inteiro ouvindo a Apassionatta, de Beethoven, apreciando as variações se movimentarem e se unirem para ser uma mesma bela obra. Continuo a escutar Ravel, e ainda aguardar o aparecimento de cada instrumento, como me ensinou o meu professor belga, Eduardo Hoornaert: escuta-se uma Orquestra Sinfônica, procurando perceber a presença de cada instrumento e sentir as variações da música. Poucas são as notas musicais, apenas sete, mas milagrosamente sua possibilidade de variação parece ser infinita. É como na Literatura, com apenas 23 ou 26 letras, o escritor ou a escritora faz a magia de falar páginas e escrever livros; de pensar ideias e imagens em palavras.
Todos os dias, durante três anos da minha vida, escutei o Bolero de Ravel que acompanhava a dança do Sol poente, ao entardecer da Praia do Jacaré. E se chovesse? O Sol também lá estava, de qualquer jeito se pondo, apenas escondido pela chuva e por nuvens escuras; mas tudo orquestrado como sempre. Além de ser um ritual, era uma obrigação da nossa parte, mais do que do Sol que, pela sua grandeza, pouco pode se esconder somente nas silenciosas horas da noite. Quando começava a descer na outra margem do Rio Paraíba, por trás da longínqua mata verde, Mocotó iniciava os primeiros toques da bateria; logo seguido pelo sax de Jurandir ou de Arnaud e aos quais se juntava o violino de Paulinho. Assim se foram 1.080 vezes que ouvi o Bolero de Ravel, com olhos no Sol poente, sem que aquele espetáculo viesse me enfadar alguma vez.
A boa música não enfada, sobretudo se foi composta na possível riqueza das suas variações. Quanto mais varia, mais dribla a monotonia, mais encanta, mais surpreende. E tais variações agradam à medida que oferecem aos nossos ouvidos a surpresa. Aristóteles assim filosofava: a arte é aquilo que nos provoca surpresa ou obra do artista que é capaz de causar surpresa. O genial Mozart, na sua juventude, brincava de improvisar variações, causando inveja e espanto a Antonio Salieri, maestro da Corte Real, que tinha sido professor de Liszt e Beethoven.
Parece-nos contraditório o bom gosto desejar que as variações sejam repetidas; há quem passe o dia inteiro ouvindo a Apassionatta, de Beethoven, apreciando as variações se movimentarem e se unirem para ser uma mesma bela obra. Continuo a escutar Ravel, e ainda aguardar o aparecimento de cada instrumento, como me ensinou o meu professor belga, Eduardo Hoornaert: escuta-se uma Orquestra Sinfônica, procurando perceber a presença de cada instrumento e sentir as variações da música. Poucas são as notas musicais, apenas sete, mas milagrosamente sua possibilidade de variação parece ser infinita. É como na Literatura, com apenas 23 ou 26 letras, o escritor ou a escritora faz a magia de falar páginas e escrever livros; de pensar ideias e imagens em palavras.