Letras da Arábia - Eterno provisório
Eu deveria ser o mais científico possível, mas esta cabeça vagabunda, acostumada a andar por onde quer, a relacionar coisas de sua lavra particular, esta cabeça não ajuda. Eu deveria procurar fazer um apanhado cultural, sociológico ou mesmo econômico. Ou, no mínimo, alguma coisa relacionada com um “dicionário de curiosidades”. Nada disso.
Claro que as circunstâncias do trabalho restringem enormemente a nossa ação, mas esta não é a razão principal da falha observada. O principal é que esta cabeça é mesmo vagabunda, vive de nuvens, de sonhos de ouro, de pinturas cor-de-rosa, de rastros de estrelas e tintas de cartões postais. O principal é esta cabeça antimetodológica, anticientífica, anti-exatidão, anticoerente. O principal motivo de não seguirem por essa correspondência muitos dados úteis, precisos, valiosos, sobre a vida aqui é esta cabeça que só faz visitar os ares, os mares, os verdes vales de toda Shangri-la, esta cabeça que tem aperolada em seu cerne o fascínio do relativismo e uma certa angústia pelo andar do tempo a roer-lhe os dias, as horas, os minutos e não lhe dar qualquer explicação, nem o porquê nem para que...
Bom, mas mesmo assim se vai tentando. Vamos dizendo da Arábia o que os nossos olhos veem da Arábia. Vamos escrevendo daqui o que esta cabeça sem ciência for ditando, perdoem-me se devanear demais.
E como esta carta já deve ir procurando ter um final, é preciso encerrá-la, seria bom olhar o céu. Hoje é dia 14 de julho, tomada da Bastilha, e a lua está uma pastilha em forma de foice, o que podemos relacionar com guilhotinas e similares. Meia-lua. Quarto-crescente.
Lá no Brasil, lá em Pitangui, são 3 horas e 45 da tarde. O céu está clarinho e faz um friozinho dentro das casas e em qualquer sombra. A turma já está subindo pra treinar. Antigamente, tinha o time do Zé Emídio, o infantil, acho que hoje não tem mais. Que saudade!
Um abraço a todos. Mando-o através desta pastilha em forma de foice que sobrevoa lentamente estes areais infinitos, minha terra provisória.
Mas o que não há de provisório neste mundo?
(Jeddah, Arábia Saudita, 14/07/1975)