Stefan Zweig sobre Dostoiévski
No seu fabuloso livro “Momentos decisivos da humanidade”, escreve Zweig sobre a transformação de Dostoiévski após tornar-se “um condenado à morte que escapou”:
Então ele parece ouvir pela primeira vez o grito de todas as dores humanas e, cheio de uma imensa piedade, reza e chora. Escuta as vozes das crianças e dos fracos, das mulheres pobres afundadas na prostituição, dos solitários sem consolo. Compreende que só a dor nos conduz a Deus, enquanto a vida alegre e fácil nos ata com laços de lama à terra. Continua ouvindo o coro dos miseráveis, dos desprezados, dos mártires anônimos, dos que morrem na sarjeta abandonados pelo mundo. A luz parece cantar aquela dor terrena. E ele crê na suprema e paternal bondade de Deus. Sabe que só Ele tem amor e piedade imensa para os pobres. Por fim, um anjo portador de um divino raio de luz mostra a seu dolorido coração que na morte começa a glória da vida. Caiu de joelhos, destroçado pelo grito da dor humano. Logo se sente abatido por um infinito estremecimento, uma espécie de convulsão que desloca seus membros; a boca se lhe enche de espuma e um mar de lágrimas brota de seus olhos. Está convencido de que não pôde experimentar a doçura da vida antes que seus lábios tivessem provado a amargura da morte. Sua alma compreendeu, deu-se conta completamente dos terríveis momentos que sofreu Aquele que morreu, há dois mil anos, em uma cruz. E, como novo Cristo, deve amar a vida iluminado por uma luz nova. Uns soldados o tiram do lugar onde haveria a execução. Está muito pálido, seus olhos se encontram alucinados pela horrível visão e em seus lábios se inicia já a gargalhada amarela dos Karamazov.