Joana que era a mulher de verdade
Não faz tanto tempo assim, minha avó mandava torrar o café, ele era moído no quintal, e só então ia para a cozinha, emanar aroma que evoca tempos idos, e felizes.
A casa dela ainda não havia conhecido a Revolução Industrial, ou a Revolução Industrial nunca havia chegado à casa dela; ali tudo era artesanal, e cada cunhã tinha sua ocupação especificada.
O porco e a galinha eram “escalpelados” por um velho verdugo, e fiel escudeiro, de quem ninguém sabia a procedência... ele simplesmente existia.
Havia roupas no varal, e foi daí que o poeta tirou: “Parecia feriado nacional”; as brasas avermelhavam o ferro, e como resultado, o vinco, do terno de linho branco, cortava o vento por onde se caminhava.
Como estava enganado meu pai, sempre dizendo que depois da pipoqueira, com tampa que mexe a pipoca dentro da panela, não havia mais nada a ser inventado... mas havia sim.
Hoje máquinas lavam as roupas, deixando sem emprego quantas Gertrudes? As roupas são secas em secadora, reduzindo as obrigações diária do sol. Louças e talheres são jogados dentro de uma geringonça, que lava e esteriliza tudo, e lá se vai outra dona Fátima.
Como uma esteira, dos Tempos Modernos, as máquinas vão atropelando os homens, e, por vezes, até o sol, que já não seca as roupas.
Atualmente, cada casa é uma indústria: máquina de lavar roupa; máquina de lavar talheres, máquina de passar roupa; máquina de fazer feijão, e vassouras mágicas, que as bruxas chamam de UBER, que vieram para acabar com o transporte das velhas megeras.
Rufem os tambores, preparem-se para o grande lançamento, chegou a faxineira robótica, ela vai limpar sua casa sem cobrar diária; sem cobrar pelo transporte; dispensa alimentação; não tem aumento salarial, e nem depósitos mensais do FGTS. Acreditem, eu não estou falando do professor, eu estou me referindo à faxineira eletrônica que desvia seu caminho a cada obstáculo que tem à frente. Um aparte, não sei se sou sugestionável, mas uma dessas faxineiras me pediu desculpas ao atropelar meu pé, e modificado sua rota... deve ter sido impressão minha.
Eu a chamo de Joana, seria uma ingratidão chamar a tão fiel prestadora de “coisa”, eu a chamo de Joana, aquela que fez dos meus dias de aposentado um encosto acolchoado.
Ela limpa tudo, ela faz de tudo, causa inveja até mesmo ao Bombril, deixa tudo limpinho, não quebra copos, não reclama, devia-se, de forma prudente, de tudo a que se deve desviar, e, principalmente, tira todo o peso da minha consciência, por estar assistindo à TV, com tanto chão para limpar... ela limpa tudo para mim.
Tornei-me um dependente da maravilhosa Joana, tudo ao redor da minha cama brilha, tudo ao redor da minha cadeira “Minha” (em outras casas chamadas de Cadeira do Papai) brilha também; deito em minha rede, e vejo sob ela o chão brilhando.
Não ganhei a Joana de nenhuma fada madrinha, mas ela, num passe mágico, fez dos meus antigos dias de labuta deliciosas dias de descanso. Não permito apelidos, mas a Joana poderia ser chamada de Aposentadoria Portátil.
Depois de um intenso dia, de tantas coisas que eu teria que fazer, e não fiz, é chegada a hora do descanso, e sem nenhum escrúpulo lá vou eu descansar, e eis que vejo, bem ao lado da cama, a doce Joana... pedindo amor.