Meu revólver enferrujado...

     1. Quando eu era criança, ganhei alguns revólveres de brinquedo. Adorava brincar de cowboy com os meninos de minha rua, sem asfalto, mas ensombreada por frondosas amendoeiras. 
     
2. Num dos meus aniversários, deram-me de presente um revólver, que, acionado o gatilho, o cão esmagava a espoleta, gerando um estampido seco e um acentuado cheiro de pólvora. Parecia um revolver de verdade.
     
3. Meus pais, muito religiosos, não simpatisavam com esse tipo de brinquedo. Mas, generosos, se rendiam ao pedido do seu primogênito que queria porque queria um revólver igual ao de seus colegas da pracinha e da escola.
     
4. Meu pai, como sempre muito cauteloso, aprensentava o filho "armado" aos seus fregueses (ele tinha uma mercearia) dizendo-o como futuro delegado de polícia. Afastava, de logo e de pronto, a impressão de que o garoto estaria treinando pra ser bandido, com sua aprovação.
     
5. Andei sabendo, que o pároco da cidade, monsenhor Virgílio, viciado nas guloseimas de minha mãe, censurou meu pai por ter   presenteado o filho com um revólver, ainda que de brinquedo.
     
6. Padre Virgílio, entre um sequilho e outro, na merenda das três da tarde, teria perguntado ao pai o seguinte: "Por que, ao invés de uma arma de fogo não deu ao menino uma Bíblia ou um Terço mariano?"
     
7. Quando me formei em Direito, idos de 1961, não sei por que cargas d'água inventei de comprar um revólver. Adquiri um Taurus calíbre 32. Guardei-o em casa num lugar seguro.
     Um detalhe: ele se mantem "virgem" até hoje; nunca o utilizei, nem para treinar tiro ao alvo. Sem manutensão, meu Taurus envelheceu e enferrujou. 
     
8. Dias desses, perguntei a dona Ivone, minha mulher, por ele. Ela, que conhece os mais remotos recantos de nosso Apê, foi incisiva: "Não me lembro onde seu revolver se meteu. Com certeza, está em algum lugar seguro, como manda o figurino".
     
9. Por que voltei  ao meu revólver? Eu um pacifista comprovado. Respondo. Dele me  fez lembrar o Decreto do Governo Federal que acaba de oficializar a "posse" de uma ou mais armas. 
     
10. No seu Nhe-nhe-nhem, o Governo Federal acha, que, armando o cidadão, este não terá sua residência citadina e sua propriedade rural como alvo da bandidagem. Reinará a paz no aconchego dos lares.  Será?
     
11. Não me comoveram e nem me convenceram os motivos alegados pelo Senhor Jair Messias Bolsonaro, Presidente da República, que embasaram seu Decreto, no meu modo de ver e sentir, um decreto belicoso.
     
12. Me perdoem a ingenuidade: mas confio muito mais na Bíblia que tenho na minha sala de visitas; e no Terço mariano, de contas gastas e cansadas, que carrego há anos.      
     Meu revólver vai continuar em local ignorado e, com certeza, sendo consumido por implacável fer-ru-gem.      
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 01/02/2019
Reeditado em 07/02/2019
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