O Taxista
– Você não sabia?
Foi a primeira pergunta feita por Dona Abigail ao motorista do táxi após indicar-lhe o trajeto. Ele morava na cidade há mais de dez anos. É claro que ele já havia passado pelo atalho da Rua Santa Lúcia para chegar ao Hotel. É obvio que ele conhecia o lugar bem melhor do que aquela velha turista. Mas ele era educado. Extremamente educado. Talvez este fosse o segredo do seu negócio: a educação.
– Eu não sabia, acredita? – respondeu o motorista fingindo interesse na explicação – Onde foi que a Senhorita aprendeu a andar tão bem por aqui?
Dona Abigail, tentando arrumar o vestido que lhe deixava os joelhos aparecerem, um tanto quanto encabulada por ser chamada de “Senhorita”, concluiu o assunto.
– Desde a infância fui desse jeito. Curiosaaa! Pesquiso tudo. Tudinho. Não tem nada que eu não saiba. Não tem não! É bem capaz de eu já ter decorado o mapa daqui. É bem capaz!
Há quantos anos ela não era chamada daquele jeito. Desde que Onofre morrera em um acidente de carro, talvez. Quantas saudades sentia do Seu Onofre. Cabo do exército. Homem parrudo. Decidido. Firme com a esposa e com os filhos. O sonho de qualquer mulher. “Um taco de Homem”, pensou ela. Aquele motorista magro e do bigode fino nem se aproximava do falecido. Não servia nem para lhe trocar a bota. Ainda mais com aquele bigode fino. O do Onofre era bem maior. Bem mais robusto. Onde já se viu, um “motoristinha” daqueles causar-lhe arrepios? Uma voz tão ingênua e burra como a daquele homem que não pesava mais do que meio quilo de fígado fazer-lhe lembrar do marido? Só podia ser a solidão. Sim, era a solidão. Há tempos os filhos não a visitavam. Ela viajava pouco. Quase nada! A não ser uma vez por ano, em que ia até Montes Claros comprar algumas roupas e coisas para a casa. Seria bom para ela ter com quem dividir as meias novamente. Talvez qualquer um servisse. Até mesmo aquele motorista magrelo e do bigode fino. Fazer o que? No ponto em que estava da vida não poderia escolher. Não mesmo. Ou poderia? É claro que poderia. Poderia sim! Imagine se uma mulher que já foi para cama com o famoso Onofre iria deitar-se com qualquer homenzinho minguado? Nunca. Não e não. Nem que ele quisesse. “Nunquinha”. Com Seu Onofre ninguém se compara. Não há como! Todo mês de Janeiro eles viajavam para Caldas Novas. Ficavam mais de uma semana por lá. Era uma garrafa de vinho por dia. Onofre não se abeberava do vinho. O cabo nunca se saciava da esposa. Era todo dia. A noite inteira. Ela ficava cansada. Por vezes, pensava até em recusar. Mas não! Recusar não. Onofre não aceitava. Não mesmo. Por fim, o cansaço era bom. Fosse em Caldas Novas ou não. Em qualquer lugar. Não recusava. Não mesmo. Aquele motorista magrelo e educado saberia fazer igual? Não saberia. Era uma educação até boba. Ele, no fundo, parecia um frouxo. Talvez até fosse gay. “Ele é veado! Só pode ser veado!”, pensou Dona Abigail.
O motorista não daria conta do recado. Ou daria? Quem sabe depois de uma garrafa de vinho? Ou até duas. Ou até mais. Não custava nada tentar. Não mesmo. A senhora, então, durante o curto trajeto até o hotel, tentou arranhar mais alguns assuntos com o homem magrelo e do bigode fino. Levantou um pouco o vestido que já lhe cobria os joelhos, mas que outrora mostrara suas pernas. Comentou que era viúva e que sempre viajava sozinha. Queixou-se da solidão que sentia naquele hotel. O quarto era enorme. Havia dois banheiros. Em um deles uma banheira linda. A cama era de casal. Grande demais para ela dormir só. Tão grande que era impossível não ficar triste. Talvez uma companhia ajudasse. Seria bom ter alguém. Não todos os dias. Não para sempre. Só quando ela estivesse na cidade....
Ao chegar ao hotel, Dona Abigail demorou um pouco para sair do táxi. Esperou que o rapaz recolhesse a bagagem e abrisse a porta para ela. De um modo bem cortês, ele segurou a mão da velha para que ela descesse do carro. Antes de pagá-lo, com uma leve segurança de sucesso, a senhora fez uma última tentativa.
– Tem certeza que não quer entrar um pouco? Só um pouquinho!
O motorista magrelo e do bigode fino, encabulado com o convite da mulher mas sem perder a sua constante e notável educação, sem também chamá-la novamente de senhorita, respondeu:
– Hoje não, Senhora. Da outra vez a gente combina. Já tenho um compromisso marcado.
A Dona, após ouvir aquilo, pagou o rapaz sem dizer mais nada. Virou rapidamente de costas para ele e entrou no hotel com cara de poucos amigos. No momento em que o taxista ligou a chave, porém, ela ainda sussurrou algumas palavras em voz baixa, de modo que somente ela mesma pôde ouvir:
– Ele é veado! Só pode ser veado! Não chega aos pés do meu Onofre.