O SURF CONTAGIANDO O LITORAL PAULISTA I
Mais umas passagens da pré-história do nosso surf. Aloha!
O SURF CONTAGIANDO O LITORAL PAULISTA I
Em 1964 viajamos diversas vezes para o Rio de Janeiro, pois tínhamos amigas na Cidade Maravilhosa e meu tio morava no Flamengo, onde eu podia me hospedar. O Rio de Janeiro, parecia outro país: os programas de televisão, as músicas, a moda, os ídolos, o futebol, era tudo muito diferente da Santos. A aldeia global não estava implantada. Cada viagem, feita em um maravilhoso Fusca com rodas tala larga e um equipamento inimaginável hoje: uma vitrola Philips instalada entre os bancos da frente tocando músicas dos Beatles o tempo todo. Só tocava disco compacto e a troca só podia ser feita em segunda e quarta marchas. Não tinha quinta marcha, a Globo não existia, algumas viagens eram feitas pela antiga rodovia Rio-São Paulo, a Rodovia Dutra seria duplicada em 1965. Íamos em quatro pessoas: o Antenor da Colégio Anwer, o Sérgio Heleno de copiloto, eu (Paulo Miorim) e o Dagoberto Batochio. Às sextas feiras saíamos lá pelas dez ou onze da noite do Colégio Canadá direto para a Cidade Maravilhosa, onde tínhamos onde ficar (casa da Ana Amélia em Copacabana e apartamento de meu tio no Flamengo). E foi no Rio que vimos pela primeira vez uma prancha para “pegar onda em pé” e, no Arpoador uns poucos rapazes pegando onda. Eu e o Sérgio Heleno vivíamos correndo ondas de peito na praia de Itararé em São Vicente. Nosso amigo Gregório Stipanich era fabricante de barcos de pesca em um estaleiro da família no Japuí, próximo à sede náutica do C. R. Tumiarú. Juntando o estaleiro do Gregório com o que vimos no Rio, somado à uma reportagem da revista Manchete trazida pelo Antônio Di Renzo Filho sobre a nova mania dos cariocas, descobrimos para que eram usadas aquelas pranchas grandes: SURF, uma prática dos reis do Havaí, divulgado por um nadador olímpico havaiano chamado Duke Kahanamoku, que se preparou para a Olímpiada de 1912 “cavalgando ondas em pranchas de madeira”. E imediatamente buscamos maneira de fabricar pranchas para nosso uso. Gregório fabricou a primeira prancha tipo caixa de fósforo, que batizamos de Ripple (“ondulação”, em inglês). Hoje analisando essa explosão do surf em Santos, acredito que parte se deve ao dia da estreia da prancha. Era janeiro de 65 ou julho de 64, só sei que era um mês de férias, e praticamente toda a equipe de natação do Internacional e mais agregados participou desse evento, totalmente informal e anárquico. Fomos em três carros: a Vemaguete do meu pai, o DKW do Moa (Moacir Rebello dos Santos), e o carro do Canarinho. Um total de 14 caras. Fomos direto para a Praia de Pernambuco, que estava deserta, pois era uma tarde chuvosa. A chuva era forte e o mar muito mexido. Uma prancha, 14 caras em volta. Jogamos na água, flutuou. Deitei em cima afundou um pouco mas dava para se locomover. Fui em direção ao fundo, passei a rebentação e tentei ficar em pé. Não durou dois segundos e ocorreu a primeira vaca de Guarujá, fui eu. Um a um, todos nós tentamos permanecer em pé e nada. A prancha era lisa e ninguém sabia que precisava usar alguma coisa para criar atrito entre o surfista e a prancha. Muito frustrados, mas certos que era apenas um princípio, saímos entusiasmados da experiência. Passeamos por Guarujá, a prancha apoiada em cobertor verde do Exército (meu pai era capitão) e bem amarrada no teto da Vemaguete. Tenho certeza que esse fato instigou diversos rapazes a ir atrás de fabricar uma prancha, pois uma semente de surf havia sido plantada em cada um. Que eu me lembre, participaram desse banho inicial da nossa prancha: Canarinho, Piolho, Jair Bala, Moacir, Sérgio Heleno, Di Renzo, Paulo Miorim (eu), Marcino, Vladi (talvez), Dagoberto Batochio e outros. Descobrimos que o melhor antiderrapante era parafina, como havia muitas velas utilizadas em despachos de umbanda na Praia de Itararé, era só catar os tocos e passar na prancha. Essa foi a única facilidade que encontramos. Como o homenageado deste ano Cocó (Eduardo Fangiano) falou, ao contrário do Rio de Janeiro o surf na Baixada Santista foi inventado por diversos amantes do então novo esporte, pois ao contrário do Rio, éramos mais simples e não possuíamos as mesmas informações dos cariocas. Cada nova descoberta de como fabricar equipamento objeto do nosso desejo era divulgada e imitada. Quando não havia acerto, a prancha era deixada de lado e começava-se a fabricar outra com novas tecnologias. Eu mesmo testei diversas pranchas de isopor que depois de pouco tempo quebrava ou se partia em diversos pedaços. O Manoel dos Santos fez uma prancha com uma ripa no meio. Ao pegar uma onda a madeira quebrou, e as pontas de madeira quase feriu o Manoel. Lembro de um dia de ressaca no Itararé que o Nei Sobral, homenageado deste ano, caiu e montou a cavalo na prancha. A prancha virou ficando com a quilha para cima e cortou a parte interna da coxa provocando perda de sangue. Nei saiu da praia para o Pronto Socorro. Por hoje é só, Aloha!!
Paulo Miorim 29/01/2019