Problemas com a vida, alguma dica?

Após longuíssimos anos cuidando da vida, começo a enfrentar dificuldades que antes não aconteciam. Ela anda arredia, irritada, às vezes até traiçoeira. Alguém tem tido problemas semelhantes?

Desde muito cedo tenho buscado satisfazer as necessidades da vida, a alimentei com dietas variadas e nutritivas (tá, quando dava). Muita coisa eu aprendi com o tempo, então talvez eu tenha atrasado na dosagem de alguns nutrientes importantes. Mas me esforcei, Deus sabe como me esforcei. Dei amor, dei carinho e também educação. Incentivei a imersão nas artes. Na leitura tentei diversos estilos, autores, assuntos, temas (alguns delicados) e por aí vai. Quando a vida estava com mais idade e demonstrava uma inclinação para o mundo empreendedor, comprei livros sobre “como fazer sucesso”, “como ganhar dinheiro”, “como ser rico”, como isso e como aquilo. Paguei cursos e consultoria, tudo para ver se ela desempenhava no mundo dos investimentos. No começo ela foi bem e senti um orgulho prematuro, pois toda vez que uma exigência a mais se despontava, como falar inglês fluente por exemplo, a danadinha abandonava tudo. Tenho que confessar que inseri um pouco de dúvidas e até indignação dando à vida um pouco de Orwell, Dostoievski, Emile Zola, Noam Chomsky, Nabokov, Mia Couto, Poe, Vonnegut (este deixou ela meio irritada) e alguns mais (talvez muito mais do que alguns). No cinema foi a mesma coisa. Não me contive. Acreditei, mesmo que bem lá no fundo, que ela, a vida, pudesse demonstrar um talento para indagar, criar soluções, empreender, quem sabe, através da arte. Eu estava tentando, acredito que ninguém possa me culpar por negligência. Irresponsável, talvez. Coloquei a vida em perigo em momentos que até mesmo eu passei aperto. Minha intenção mais óbvia era provocar e descobrir se algo a animava, poxa gente... Com isso em mente, levei a vida para nadar em águas agitadas do mar, distante da praia; a fiz escalar, lançar-se de uma plataforma alta para mergulhar, percorrer trilhas intermináveis na mata, pular de paraquedas; passamos frio juntos no inverno na América do Norte... Acho que tivemos boas histórias, sob meu ponto de vista. No entender dela eu sou péssimo, talvez até uma ameaça a sua segurança. Uma pergunta, aconteceu com algum de vocês ter a vida gigante e depois ela encolher? Assim, medindo com os olhos, ela parece tão pequena agora. Olhando lá atrás, quando eu era ainda criança, era ela quem me carregava nas costas de tão gigante. Eu a seguia de perto e fazia tudo que ela mandava. Nos dávamos bem, a vida e eu, não posso reclamar. Depois de um tempo a coisa se reverteu. Eu tive que guia-la, coisa que faço até hoje. Não tenho certeza se eu tenho sido tolerante e comedido como ela foi comigo, quando eu ainda dependia dela para descobrir as coisas. Apesar de sua meia-idade, para lá de quarenta, a vida tem demonstrado um comportamento mimado, indiferente a tudo e agressivo quando eu exijo dela. Pensando bem, talvez eu tenha um pouco de culpa nesse comportamento impróprio da vida. Mas convenhamos, a não ser que eu esteja mesmo muito enganado, todo o ser vivente ao chegar à maturidade sofre um declínio hormonal. Somando isso à característica mais vantajosa da experiência acumulada de anos, amornar as expectativas e acalmar a ansiedade, a vida deveria já estar num caminho mais sereno, por assim dizer, não deveria? Deveria haver certa estabilidade e, não sei a que ponto estou sendo controlador, mas eu realmente gostaria de prever alguns de seus passos. Quem sabe não é coisa de dono protetor e possessivo, mas eu ficaria bem mais confortável se pudesse ter mais domínio da vida. Do contrário, o que vai ser dela quando tiver que se virar sozinha? Coisa que, por sinal, está demorando demais. Nem sei se um dia ela vai conseguir, pobrezinha. A confusão dela é tão grande que vai desde dieta até filosofia. Religião é outro problema. Após longos anos de cristianismo – foi mais por uma questão (digamos) cultural, herança de família – a vida, já insegura e descrente nas pessoas, passou a ter desejos estranhos como falta de vontade de viver. Como uma vida pode não querer viver!? Isso sempre me perturbou bastante. Passei a ficar mais de olho nela do que antes, ainda mais agora que ela tem se mostrado susceptível ao exibicionismo das outras pessoas. Notei isso um dia que ela parecia mais alegrinha e entrou no Facebook. Ela ficou presa no aplicativo por cerca de meia hora. Depois desligou o aparelho e amarrou a cara durante o resto do dia. Quando consegui falar com ela, ela me disse que tudo dava certo para os outros menos para ela. Vou te falar, antes eu resolvia com um sorvete daqueles bem caros. Hoje, por causa de recomendações médicas, tem que ser na conversa mesmo, o que acaba saindo um pouco mais caro.

Tentei ajudar apontando caminhos que levavam às filosofias orientais, meditação, tive ajuda de amigos nesse sentido, mas nada adiantou. A vida parece não se apegar a nada. Parece até ter desistido. E tanta coisa para fazer, tantos lugares para ir, tantas experiências novas..., mas tudo que vejo é a vida perdendo tempo lá no sofá, vendo Netflix. Teve um fim de semana que foi o cúmulo, depois de assistir a uma série inteira, a vida chega pra mim e diz que foi a pior série que já viu. O sol brilhando lá fora, os amigos convidando para fazer algo e eu lá, tentando convencê-la a sair. E eu vou me tornando o chato que vai perdendo os amigos por causa da vida que não faz nada. Chega uma hora que cansa. Dá vontade de dizer: Quer ficar sedentário? Sem dinheiro e ter uma depressão por que não quer sair? Então fique à vontade.

A questão é séria e, embora eu não deseje que isso aconteça com mais ninguém, se já aconteceu com você, por favor me dá uma mão... Talvez eu esteja me arriscando, demonstrando desespero em busca de ajuda desse jeito. Eu sei que cada um é responsável por sua própria vida e pode trata-la como bem quer, mas não me sobra opção. Não é nada fácil fazer isso sozinho.

As únicas contribuições que tive até agora são de experientes que usam palavras básicas para definir complexidades: “Tá difícil essa vida”, “a vida é dura”, ou ainda, “a vida não é fácil, não”.

São pequenas verdades sobre a vida. Mas não posso viver sem ela.