A lama vale a vida humana?
De repente o estrondo é ouvido. Muitos correm para todos os lados e outros, em desespero, veem a lama se aproximar de cada parte de seu corpo, cobrindo por inteiro vidas humanas cheias de sonhos e desejos futuros. A lama correu solta, com velocidade tão grande que em poucos segundos a vida humana e animal pareceram não ter significado algum perto da força brutal da lama e descaso, da ganância e do silêncio capaz de ceifar vidas.
A pergunta, diante de tantas que podemos fazer agora é se a lama vale a vida humana. A lama vale a pena perto de tantas vidas que foram ceifadas em segundos? Essa lama que percorreu em segundos um trajeto de vidas vale a pena tanto assim? Junto da lama foi junto milhões, talvez bilhões, de reais. Dinheiro mais sujo do que a lama, porque é dinheiro que não se preocupa com a vida humana, com as consequências de um descaso tão presente, tão atual e que ainda pode vir causar tantas outras destruições em tantos outros lugares.
A barragem que se rompeu impedia que a lama da ganância inundasse o rio de águas limpas e matasse a fauna e a flora. Essa mesma barragem, já antiga e sem uso, servia para impedir que a sujeira humana, dos poderosos e ricos, ferisse a alma dos que viviam e sobreviviam da terra, do suor do rosto, das possibilidades que tinham. A barragem impedia não só com que a lama invadisse o lugar onde muitos moravam, trabalhavam e tinham suas rotinas, mas também impedia que nós, brasileiros, víssemos o descaso e o perigoso modo de conter a sujeira produzida pela raça humana.
E o preço pago por tudo isso? Quem vai pagar a conta final que matou vidas e destruiu parte da natureza? Quem agora vai querer se esconder e fingir que a sujeira, a lama e a ganância não eram parte de um plano que só visa lucrar e desperdiçar vidas humanas se necessário? A lama que invadiu casas, afogou sonhos e pessoas e amedrontou os que viam a desgraça, mas que não puderam fazer nada, é a mesma lama que encobre os erros do passado, erros cometidos em Mariana, erros cometidos por empresas que lucram com a vida, com a exploração eterna da fauna e flora.
Empresas que têm milhões, bilhões de notas guardadas nos bancos e usadas quando é conveniente aos poderosos. Empresas que usam as barragens para esconder a podridão de ações que destroem a vida, que afogam peixes, que poluem águas e que acabam com todos os seres vivos que estiverem atrapalhando o caminho da passagem do rio de dinheiro.
A lama vale a vida humana? Vale na mesma proporção dos sonhos de jovens que trabalhavam e que viram a lama cobrirem seus olhos e turvarem suas visões para nunca mais acordarem e darem um abraço apertado em seus pais? Vale a mesma preciosidade de sorrisos, de abraços e de desafios que homens e mulheres todos os dias enfrentavam, mas que agora estão encobertos por lama, silenciados para sempre, enterrados em covas feitas por empresas que não entendem os riscos, ou que ignoram em parte para obterem lucro?
A lama não vale a mesma coisa que a vida. Não vale nada perto da diversidade de animais e riquezas mineiras criados por Deus. A lama enterrou vidas e mais uma vez os poderosos não sabem de nada, não são culpados por nada. Quantas vezes mais teremos que ouvir berros e choro porque a lama levou embora para sempre o filho, nora ou primo que estavam trabalhando para empresas que querem lucro? Quantas vezes mais teremos empresas que precisarão de barragens para esconder o descaso, a despreocupação e a fraqueza em assumir os erros e a falsa preocupação com o sopro de vida que pode terminar a qualquer momento?
Não resta boas notícias, não resta esperança para quem não encontra o valor da vida humana em meio a tanta lama. Nada vale se não houver entendimento de que a lama não só mata instantaneamente, como também mata aos poucos a alegria de famílias e conhecidos que viram seus amados irem embora, afogados pela lama da destruição humana. Afogados pela falta de percepção de que estamos falando de vidas e de animais e não de dinheiro e poder.