MEMÓRIAS DE LUZIA
Da série:Meus tipos inesquecíveis
Na primeira vez pediu um copo d´agua. Ardiam dez horas de um janeiro quente e o cheiro das peras andava pelo ar.
Sentou-se junto à sua trouxa. O suor brotava-lhe em vertentes resvalando os sulcos da face sexagenária.
Um pente dourado preso aos cabelos e do pescoço escorria-lhe uma corrente surrada, quase sem brilho,varando uma imagem de um santo qualquer.
Cravava na pera que lhe ofereceram os dentes de uma coelha dos anos vividos.
Revelava nos olhos o sabor da fruta e a sua história entre uma dentada e outra.
Morava distante...Além das montanhas,em terras de plantas,ervais,araucárias...
A mãe já bem velhinha,era ainda parteira.Cruzava o sertão,maleta na mão,com chuva ou com vento,em noites escuras "das almas penadas"...Em noites "dos anjos",as enluaradas!
Não temia urros,uivos,lobisomens...
Deus lhe concedera a graça de trazer à luz,almas inocentes ao mundo perverso dos homens.
Um olhar distante,introspectivo...
O suco da pera transbordava-lhe a reprêza no açude da boca,e a história prosseguia...
Quando indagada,quase nada respondia...Um silêncio lacrara-lhe os ouvidos e a frieza humana já não atingia seus tímpanos comprometidos.
Assim, era personagem principal no teatro da vida.
Os outros?...Apenas platéia.
Que estranho fascínio habitava naquela matuta? À que dimensão pertencia aquêle ser incógnito de quem nada se conhecia e que ao mesmo tempo exercia uma força capaz de arrastar um sentimento de ternura quase sem limites?
Pôs-se à vontade,foi-se chegando,pediu pousada,um cantinho...
Encontrou cuidado,respeito,carinho,chamego...
Foi ficando.
Sentiu-se membro da família,e o seu jeito de menina espalhou bonecas de trapo pelo quartinho dos fundos.
Plantas e canteiros,vassouradas longas ,floradas e sonhos , um andar brejeiro por entre o quintal.
Falava sozinha (talvez com os anjos?!)
Sentava-se à mesa,contava histórias,sorvia contente o seu trivial. E de quando em quando,pelas madrugadas,saía quietinha com a trouxa às costas,batendo chinelos pelo estradão.
Quando a saudade marcava o compasso, ela retornava com novas histórias,com novas trouxinhas,alinhava uma a uma suas bonecas e as flores brotavam ao redor da cama.
Foram tantos anos nesta convivência.A mãe falecera,restara o ranchinho atrás das montanhas; a maleta,as cabras,um cachorro triste e alguns pés de milho em ponto de colheita.
Novas alvoradas,novamente a estrada,outra vez a trouxa,as pernas cansadas...
E então um dia,feita a do poema,levantou cedinho...[Apenas raiava sanguínea e fresca a madrugada...]
Outra vez a trouxa,a sandália surrada e foi-se a primeira pomba despertada...Ficaram seus rastros na poeira da estrada e a luz da manhã dourando pinheirais, fêz luzir "LUZIA" que daquêle dia não voltou jamais.
Da série:Meus tipos inesquecíveis
Na primeira vez pediu um copo d´agua. Ardiam dez horas de um janeiro quente e o cheiro das peras andava pelo ar.
Sentou-se junto à sua trouxa. O suor brotava-lhe em vertentes resvalando os sulcos da face sexagenária.
Um pente dourado preso aos cabelos e do pescoço escorria-lhe uma corrente surrada, quase sem brilho,varando uma imagem de um santo qualquer.
Cravava na pera que lhe ofereceram os dentes de uma coelha dos anos vividos.
Revelava nos olhos o sabor da fruta e a sua história entre uma dentada e outra.
Morava distante...Além das montanhas,em terras de plantas,ervais,araucárias...
A mãe já bem velhinha,era ainda parteira.Cruzava o sertão,maleta na mão,com chuva ou com vento,em noites escuras "das almas penadas"...Em noites "dos anjos",as enluaradas!
Não temia urros,uivos,lobisomens...
Deus lhe concedera a graça de trazer à luz,almas inocentes ao mundo perverso dos homens.
Um olhar distante,introspectivo...
O suco da pera transbordava-lhe a reprêza no açude da boca,e a história prosseguia...
Quando indagada,quase nada respondia...Um silêncio lacrara-lhe os ouvidos e a frieza humana já não atingia seus tímpanos comprometidos.
Assim, era personagem principal no teatro da vida.
Os outros?...Apenas platéia.
Que estranho fascínio habitava naquela matuta? À que dimensão pertencia aquêle ser incógnito de quem nada se conhecia e que ao mesmo tempo exercia uma força capaz de arrastar um sentimento de ternura quase sem limites?
Pôs-se à vontade,foi-se chegando,pediu pousada,um cantinho...
Encontrou cuidado,respeito,carinho,chamego...
Foi ficando.
Sentiu-se membro da família,e o seu jeito de menina espalhou bonecas de trapo pelo quartinho dos fundos.
Plantas e canteiros,vassouradas longas ,floradas e sonhos , um andar brejeiro por entre o quintal.
Falava sozinha (talvez com os anjos?!)
Sentava-se à mesa,contava histórias,sorvia contente o seu trivial. E de quando em quando,pelas madrugadas,saía quietinha com a trouxa às costas,batendo chinelos pelo estradão.
Quando a saudade marcava o compasso, ela retornava com novas histórias,com novas trouxinhas,alinhava uma a uma suas bonecas e as flores brotavam ao redor da cama.
Foram tantos anos nesta convivência.A mãe falecera,restara o ranchinho atrás das montanhas; a maleta,as cabras,um cachorro triste e alguns pés de milho em ponto de colheita.
Novas alvoradas,novamente a estrada,outra vez a trouxa,as pernas cansadas...
E então um dia,feita a do poema,levantou cedinho...[Apenas raiava sanguínea e fresca a madrugada...]
Outra vez a trouxa,a sandália surrada e foi-se a primeira pomba despertada...Ficaram seus rastros na poeira da estrada e a luz da manhã dourando pinheirais, fêz luzir "LUZIA" que daquêle dia não voltou jamais.