Saudade
Eu sempre digo que ter saudades é muito bom.
Era 1941. Morávamos nesta época na mesma rua onde nascemos, eu e meu irmão Laerte, uns dois anos mais novo do que eu. O meu pai havia alugado uma casa na nossa querida rua Carlos de Campos, número 327. Ali tínhamos uma verdadeira chácara. Muitas frutas plantadas e produzindo ativamente.
Quantas mangas, laranjas, bananas, uvas de todas as qualidades, pêssegos, caquis pretos e vermelhos. E as limas da Pérsia. Enfim era um paraíso para duas crianças, como eu e meu irmão Laerte.
O bom era que vivíamos cercados de amigos. De um lado morava o senhor Eugênio Pera. Do outro lado morava a Dona Benedita, com uma grande família: Alzira, Cidica, Lourival, Dino, Durvalino e o garoto Aurazir. Rodeados de muitos da família Segalho, que moravam no casarão em frente de nossa casa, onde tinha o único telefone da nossa rua. Havia os Pinarellis, os Carrara, os Laranja, e outros que eram parte de uma grande família. Tempos de amor sincero pelos vizinhos.
Não posso esquecer do senhor Manuel, que era cabo da força pública que todas as tardes reunia toda a vizinhança, e na sua vitrola de corda colocava o hino nacional Brasileiro e todos os presentes, de mãos dadas, cantavam o hino e depois faziam uma prece a Deus para que a Segunda Guerra, que estava assolando o mundo, terminasse.
Mas o pitoresco é que todas as tardes passava na rua o Chevrolet 1936, do Circo e Teatro Rosário, apregoando os espetáculos da noite.
Para melhor entender as relações acerca de nós, o meu pai ia entrando no Circo quando um funcionário do Circo falou, perto de nós, ao seu chefe que uma carretilha de esticar a lona da cobertura estava com defeito.
O meu pai, ao ouvir isso, lhes disse se queriam que ele a levasse embora e a trouxesse concertada, no dia seguinte.
O chefe era o dono do Circo, que disse: " nós praticamente não conhecemos nada de Campinas. Se o senhor puder fazer esse favor ficaremos muito gratos".
Então, o meu pai pegou a peça e a levou até a casa do Sr. Ivo, que tinha uma pequena fundição em casa. Depois do conserto, à tarde, meu pai levou a carretilha pronta. Quando o dono do Circo quis pagar, o meu pai disse: " este é um presente para vocês". Aí, então, o Senhor Rodrigues, o dono do Circo, deu ao meu pai, uma entrada permanente para assistir aos espetáculos, de graça, para nós quatro (eu, o Laerte, meu pai e minha mãe) enquanto permanecesse em Campinas.
Aí íamos ao Circo todas as noites. Eu com 7 anos, o Laerte com 5 anos, na volta, vínhamos andando dormindo, todas as noites. Um dando a mão para a nossa mãe e o outro para o nosso pai.
O Circo ficava montado longe de nossa casa. Ele ficava onde é hoje o 8 BC (quartel, perto do cruzamento entre a Sales de Oliveira e a João Jorge).
Íamos e voltávamos, sempre a pé.
O Bonde que passava na Sales de Oliveira, pesava no orçamento familiar.
De outra feita, o Laerte, ainda muito pequeno, brincando, enfiou um grão de feijão no nariz. Aí minha mãe me levou à casa da Dona Marica, vizinha da frente de nossa casa, e me disse: "fique aqui até eu voltar. Levarei o Laerte à Beneficência Portuguesa”. E após duas horas minha mãe chegou com o Laerte. Quem vinha trazendo o meu irmão era o senhor Alverio Pinarelli. Trazia-o no colo, dormindo. O senhor Alverio Pinarelli era o fiscal do Bonde e ajudou a trazer o Laerte. Ele era um vizinho muito bom.
Foi uma fase dourada de nossas vidas.