O SUICÍDIO

Subi os degraus da grande e fantasmagórica massa cinzenta de concreto que mais tarde seria conhecida como o Palácio das Araucárias. Naquele momento, porém, era uma enorme pedra no sapato do Governo do Estado do Paraná, da construtora e certamente dos engenheiros responsáveis pelo projeto.

Ouvi certa vez que problemas estruturais impediram a continuidade da obra e assim ela seguia as horas, os dias, os anos à espera de uma solução.

Sempre me chamou a atenção aquele esqueleto plantado em um dos lados da praça Nossa Senhora de Salete e como tinha predileção por lugares exóticos, resolvi dar uma olhada na obra por dentro.

Era um domingo. Um daqueles manhosos fins de tarde, quase noitinha, em que não tinha lá muito o que fazer a não ser perambular pelo centro de Curitiba com suas ruas vazias, como acontece em dezembro, na semana que precede o ano novo.

No último andar da estrutura, quase sem folego devida a subida, sentei-me à borda do piso. De lá podia ver a rua abaixo e os apartamentos do outro lado do rio.

Sinceramente a vista não era grande coisa e nos dias mais quentes o rio exalava um cheiro fétido de embrulhar o estômago, mas ali, no último andar onde eu estava a distância era segura.

As luzes dos apartamentos foram se acendendo uma a uma e era possível ver vultos movimentando-se, passeando em frente às janelas cujas cortinas estavam abertas.

A silhueta de uma mulher fumando, com os braços apoiados no parapeito. Outra Luz foi acendida. Um homem apareceu à janela,

abriu-a, afastou as cortinas e deixou o ar entrar.

No outro prédio, alguém, uma mulher, estava ao telefone, ou pelo menos assim pensei já que a pessoa gesticulava muito com uma das mãos enquanto a outra permanecia colada ao ouvido.

Fiquei imaginando com quem estaria falando, era uma conversa? Uma discussão com o marido? Um desentendimento com o filho ou filha quem sabe? A operadora de telefonia? O cartão de credito?

Por fim ela parou e permaneceu na janela. Tive a impressão de que me olhava. Ficou um bom tempo naquela posição.

Ouvi sirenes a distância e pensei o que será agora? Um assalto? Algum caixa automático arrombado? Acidente de trânsito? Os sons das sirenes foram ficando cada vez mais alto e mais próximos e de repente lá estavam dois carros de polícia ao pé da estrutura. Os homens desceram dos carros e rapidamente se dirigiram à entrada da obra.

Nesse momento, alarmado e sem saber o que estava acontecendo me pus a descer o mais rápido possível as escadarias do prédio. Quando cheguei ao chão, esbaforido, levei um safanão de um policial, meus ouvidos zumbiram e me abracei a uma das colunas do andar térreo.

Já recuperado, veio o interrogatório e a compreensão do que havia ocorrido: A polícia recebeu a informação de uma senhora do prédio em frente dizendo que alguém estava no último andar do esqueleto e iria se suicidar.

Ouvi um sermão sobre invasão de prédios públicos e em quais crimes eu poderia ser enquadrado por mobilizar o aparato da polícia em uma situação como aquela e por fim fui liberado.

Desde então procuro ser mais cuidadoso com a escolha dos lugares em que vou apreciar a vista...