Crônica de Natal
Enivaldo Bartolomeu de Jesus nasceu em Feira de Santana, cidade da Bahia, no dia 25 de dezembro de um ano já não muito lembrado. Foi o primeiro filho de dezoito irmãos. Família pobre. Família unida. O garoto divertia-se comendo a marmita preparada pela mãe. A marmita que o pai sempre levava para o trabalho no dia seguinte. Qualquer que fosse o irmão culpado, sempre era ele quem apanhava. Era mais fácil comer logo. Achava melhor apanhar de barriga cheia. Desde a infância, já se tornou famoso pelo tamanho do “apetrecho” que acompanhava seu órgão sexual. A falta de dinheiro - e também de espaço - obrigava-o a não usar cuecas. Na adolescência, experimentou tudo o que um “garoto normal” tem direito: apanhou de cassetete, roubou farinha de moinho na feira e perdeu a virgindade com sua vizinha mais nova sem que ela quisesse, a Maricota. Certa vez, ele participou de uma peça dramática no colégio. Devido à falta de roupas que lhe servissem, tomou o papel de Sinhá Mô, dona de um antigo cabaré famoso na região e conhecida pelo uso de saias rodadas. Após aquela peça, o garoto ganhou o apelido de “badalo”, pois as roupas “giradas”, a ausência de cuecas e o seu enorme “saco” realmente lembravam um sino.
Em Abril de 1960 - quando já estava com seus vinte e poucos anos - os eventos verdadeiramente tupiniquins começaram a acontecer na vida de nosso personagem. Com a inauguração de Brasília, assim como milhares de nordestinos, Enivaldo resolveu tentar a sorte na Capital Federal. Viajou seis dias e sete noites na boleia de um caminhão de banana: enfim chegou à cidade. Passou fome por um tempo. Bebeu muita cachaça de graça. Resolveu, então, procurar trabalho. Foi servente de pedreiro, motorista, carpinteiro, vendedor, camelô, mecânico, dançarino, biscate, prostituto, sem vergonha, até que se tornou Papai Noel. Barbas longas e tingidas com pasta de trigo; barriga avantajada pelo abuso do conhaque; sorriso amarelo disfarçado por uma dentadura; era, na forma mais exata, o típico “bom velhinho” brasileiro. Preço alto nas fotos e políticos endinheirados com filhos mimados: foi a receita do sucesso. Ele comprou casa, carro, lotes e conquistou fama na Explanada. Os anos passaram tão rápidos como a poeira que ainda abaixa no Planalto Central.
Já no tempo em que não precisava mais pintar a barba, Enivaldo encontrou o mal de todo brasileiro: um rabo de saia. O nome era Joana - morena robusta, carioca, seios fartos e coxas grossas - mulher que enfeitiçou o Noel de Brasília. Dançarina nata e cozinheira exemplar, todo domingo era pagode, feijoada e “rabo de galo”. A sobremesa era e própria Joana: cama e suor na pele. Com apenas dois meses já amigados, casaram-se no Cartório da Velha Assunção. Foi mais pagode e mais “rabo de galo”. Hipnotizado pelas pernas da morena, Enivaldo transferiu todas as propriedades para Joana. Deu-lhe a casa, os lotes, o carro, a conta no banco e o coração. Comprou joias, cachaça, rapadura, batom, camisinha e carne seca, tudo o que ela merecia. Eles foram felizes por um tempo.
Não demorou para Joana enjoar. A mulher de cintura fina e seios arredondados já não aguentava mais o cheiro de bebida do companheiro todos os dias após o trabalho. Ela vendeu tudo o que ganhara de Enivaldo, fugindo com um palhaço de circo. A maldita não deixou nem um bilhete. Não fez questão de avisar o coitado, que ficou sabendo de tudo pelas bocas dos amigos sarcásticos. Ele, então, inconformado, saiu à procura da sua amada. Passou pelo Norte, pelo Sul e por todos os outros pontos cardeais de Goiás. Foram caminhadas em vão. Ao fim, Enivaldo entregou-se totalmente ao conhaque. Em uma dolorosa ressaca de amor, raspou a barba e deixou de vez a Capital, dirigindo-se ao interior do Estado para trabalhar em uma grande fazenda. Não se sabe quando, não se sabe como e não se sabe onde morreu o Papai Noel de Brasília. Sabe-se apenas que ele foi encontrado cheirando à conhaque, deitado em cima de um saco de soja, com o seu ainda mais vermelho e inchado.