O Ciclo Inevitável
Fui encontrado em avançado estado decomposição na faixa limítrofe entre a barbárie e o que chamam de estado de direito. Dois mundos conceitualmente distintos, porém na minha realidade tão próximos como urubu e carniça. Se a barbárie era o reflexo da minha ancestralidade caçadora/coletora, do primitivo hábitat de violência para sobrevivência; da lei do olho por olho; dente por dente, do forte sobre o mais fraco, bem na zona ao lado, estava o que minha professora do primário denominava civilização; a esfera dos cidadãos de bem; da dignidade humana, da liberdade, igualdade e fraternidade. Um conto de fadas nada convincente. Tempos depois fiquei sabendo que tudo não passava de ficção idealizada lá trás pelos iluministas dos ideais pétreos, onde direitos, deveres e garantias constitucionais, não passava de puras balelas e que no cotidiano se revelava como mecanismos para dominação e manutenção de privilégios, de quem de fato tem a caneta, toca e baioneta na mão. Cego de visão crítica, não conseguia enxergar esses mundos paralelos, vivia numa continua confusão existencial, tinha que fazer minha escolha de Sofia e não deu outra, a pujante e latente animalidade do meu ser sobressaiu e, instintivamente fui levado pelos impulsos primitivos do meu DNA predador do que seguir Platão no mito da Caverna, não me convencia essa história de romper os grilhões da ignorância, sair das trevas e atingir as esfera das idéias perfeitas, não era pra mim. Sem saída optei pela narrativa do que era mais palpável e próxima de minha realidade, escolhi ser o escorpião da fabula que ao atravessar o rio nas costas do voluntarioso sapo, seguiu seu instinto animalesco, impiedosamente inoculou seu mortal veneno na inocente vítima, ceifando assim quem salvaria sua espécie na outra margem do rio da vida.