Preconceito

Não quero falar sobre minorias, injustiçados, cor da pele ou deficientes. Na verdade não estou certa que a palavra que estou buscando é de fato o titulo dessa crônica. Estou me referindo à "maré da vida", por assim dizer, e a reação dos outros em relação a sua, quase que inevitável, consequência.

Nos anos 80 ou 90 descobriu-se que o cigarro causava câncer. Foram tomadas inúmeras ações para frear o consumo do tabaco. Isso são fatos. No entanto o câncer é devastador, e mesmo vendo a pessoa fumando por décadas, quando finalmente recebemos a noticia já anunciada tragada após tragada, ficamos com pena e não sabemos exatamente como agir sob tal impiedosa ameaça à vida.

Como podemos pensar "coitado do Fulano, tão novo e com câncer..." como se a sociedade da época moldou ele para ser dependente do cigarro? Opção dele de fumar, sim. Culpa dele, provavelmente, afinal foram escolhas pessoais dele. Ninguém colocou o cigarro na boca dele e o forçou a fumar. No entanto quando vemos o moço, sem cabelo, visivelmente doente nós é que não sabemos como agir.

Agora estamos na época do diabetes. Sabemos que muito açúcar e carboidratos num estilo de vida sedentários causa, entre outras coisas, diabetes tipo 2. Não é uma doença que possamos detectar só por olhar para a pessoa, mas a reação alheia uma vez que descobrem é igual. "Coitada, tão nova e com diabetes...". Parece uma sentença de morte. Um diabético (consciente e controlado) num restaurante é um ser de outro planeta, contando os carboidratos, andando com agulhas e ampolas e tomando suco de limão sem açúcar.

Como podemos pensar "coitada" se não fizemos as más escolhas por ela? Não vou discutir se é justo ou não o fato da pessoa estar sofrendo as consequências dos seus maus hábitos - seja fumar, usar drogas, beber ou se entupir de fast food, mas sim a nossa reação ao lidar com uma pessoa dessas.

Você, fumante, acenderia um cigarro ao lado do seu colega que está sofrendo de cancer de pulmão? Parece rude, não? Então porquê pede uma sobremesa - um bolo, por exemplo - que você sabe que é feito essencialmente de açucar com um diabético à mesa? Porque acha estranho que ele não queira nem experimentar da sua macarronada e da sua limonada suiça? Porque recomenda aquele rodizio de pizza que é uma delícia?

O mercado, a indústria, a cultura popular e o estilo de vida estão criando uma multidão de diabéticos. Adoçante tem gosto amargo no final. De manhã sinto muita fome, preciso de uns três pães para ir trabalhar. Almoço é igual a arroz, feijão, batata frita e bife. Macarrão. Batata. Refrigerante. Academia? nem pensar. Salada? não sou fã.

Sabemos que essas escolhas não nos favorecem a longo prazo, então porque não somos capazes de fazer o que nos é do nosso melhor interesse? Porque não aceitamos as consequências das más escolhas quando somos cobrados do preço? E finalmente, porque não sabemos nada sobre esses males que nos assombram? Porque se soubéssemos, não falaríamos "coitado", ao invés, convidaríamos para algum dos poucos restaurantes de comida saudável que existem, mesmo falando com seu colega que não é diabético.

Não quero que os outros sofram com um mal que não têm. Só desejo, do fundo do meu coração, que pesquisem, se eduquem, se coloquem no lugar de uma pessoa diabética por um dia, para o caso de não conseguirmos derrotar a indústria do açúcar como conseguimos a do tabaco.