Amoreiras na calçada

Eu estava parado ali aguardando, como não costumo fazer. Em dias comuns eu já estaria em casa.

Eu vigiava aquele caminho, aquela avenida; já estava ansioso, inquieto, impaciente como sempre. Olhando para a avenida vi quando eles chegaram: ela dobrou a esquina, ele já surgiu pulando, alegre. Ambos andavam na calçada na minha direção. Ela a frente caminhava seus passos; olhava para trás e dizia ao garoto para se apressar, andar junto. Ele seguia pulando: flexionava os joelhos, saltava para fora do chão e esticava os braços tentando alcançar as folhas dos galhos de amoreira.

A cada passo, um salto. Ele se agarrava e puxava o galho para baixo enquanto descia. Saía sempre um pequeno sorriso quando, junto com o galho, descia também alguma amora roxinha, bem madura. Ele as pegava e colocava correndo na boca, como que surrupiasse doce de mãe; olhava a mão a ficar colorida do suco da pequenina fruta que levemente esmagava quando colhia do galho descente.

A mulher olhava para trás e repetia “vamos logo! Venha!” Ele dizia seu “aham” de menino e continuava seu passo-salto. Eu não consegui disfarçar a atenção que dava ao que acontecia ali naquele ponto. Tanto foi que o pequeno, ao passar por mim, olhou e disse “oi!” Eu respondi “oi!” e sutilmente ri de sua boca toda roxa. E ele seguia: flexionava os joelhos, saltava para fora do chão e esticava os bracinhos querendo agarrar as folhas dos galhos das amoreiras daquela rua.

Eu me encontrei naquele pequeno. E também me encontrei na mulher com quem ele ia. Percebi o quanto tento correr preocupado com o tempo para chegar, o tempo para fazer ou a hora do cafezinho. Vi o como eu não enxergava mais as amoreiras na beira da calçada e como eu me acostumara a apressar quem queria colher as frutinhas, sujando as mãos e limpando as preocupações. No pequeno, eu vi quanto saltei para fora do chão no virar das esquinas de cada sonho. Só que eu logo andava, sem nem cumprimentar quem estava no ponto. Pois bem, era hora de ter cinco ou seis anos de novo, eu devia isso a mim!

O meu ônibus enfim chegou; embarquei e fiquei a vigiar as amoreiras das calçadas do restante daquela avenida, mas não vi mais, pelo caminho, nem a moça nem o pequenino. Tomara que tenham parado para tomar um sorvete!

Crônicas de um Ignorante
Enviado por Crônicas de um Ignorante em 13/01/2019
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