Andar com fé eu vou

Quando eu fui criança lá no meio da caatinga, vivia rezando para ganhar um velocípede. O padre dizia: “Reze mais e tenha fé que Deus realizará seus sonhos”. Virei coroinha, com direito a tocar sino e beber o vinho do padre. Nunca ganhei o tão sonhado velocípede.

Quando fui adolescente lá pelas ruas de Alagoinhas, vivia rezando para ganhar uma bicicleta. Comia hóstia todo dia, pagava penitência ajoelhado em milho, limpava o quintal do padre a troco da fé. Gastei todos os chinelos da adolescência no calçamento das ruas da cidade.

Quando fui homem lá em Salvador, rezava para ganhar um carro, um fusca ou um Chevette, carregava andor na procissão, subia a Ladeira do Bonfim de joelhos e todas as noites participava de novenas e trezenas nas trezentas e sessenta e seis igrejas da Soterópolis. Gastei todos os sapatos da juventude subindo e descendo ladeiras na Cidade da Bahia.

Quando fui comunista na Ilha da Utopia, deixei de acreditar que Deus dava as coisas e passei a acreditar em mim mesmo. Então o Banco Real me deu um carro de presente, pago em trinta e seis suaves prestações mensais. Era um Fiat 147 L, azul turquesa, a cor mais humana que o perdão, conforme dito por Tom & Dito. Havia um problema na caixa de marcha que a Fiat nunca conseguiu descobrir, mas andava e eu enchia o carro de putas e saía me exibindo pela cidade.

Agora, na minha senilidade, parado no semáforo à minha frente uma Pajero exibe um adesivo bem chamativo: PRESENTE DE DEUS. Depois de muito pensar e ponderar a respeito dos presentes divinos, concluí que a minha fé foi pouca para não merecer ganhar nem um velocípede.