HÁ QUARTOS...E VAGAS...

Já foram muitas as vezes em que passei por aquela avenida mirando aquele endereço.

Sempre preocupada com o relógio, já o tinha notado, claro que sim,mas nunca com tempo suficiente para sentí-lo.

Mas hoje pela manhã me ocorreu algo diferente, como se uma corda me apertasse o pescoço.

Aquelas paredes azuis, descascadas e desbotadas, puídas pela poluição a diesel ainda se sustentavam alí, mas me pareceram gritar por socorro.

A mesma veneziana com partes vazadas e metais enferrujados, deixava transparecer a escuridão abafada dum quarto embolorado, a mostrar parte dum beliche antigo e desfalcado de aconchêgo...

Alguém que lá dentro se espreguiçava abriu a veneziana, escarrou para fora e esticou uma toalha de banho, encardida, sobre o beiral da janela.

Deu uma bocejada e respirou a baforada preta do ônibus da avenida, piorada por um cigarro recém aceso, mas amenizada num gole de café fraco e frio...

Ao lado, uma casa de vídeo anunciava:

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E na entrada do endereço azul, uma plaquinha quase apagada, titubeava ao vento, sua quase heróica oferta de guarida, em bom português:

"Há quartos e vagas".

Por um instante parei na calçada e olhei para cima...

"Algum problema, ô moça?'"

"Hã? Ah, nada não...me desculpe..."

Foi quando então me perguntei: "Quartos..e vagas...para o quê?"

Haveria vida...naquele endereço azul?