NOSSOS PAIS
Foi, mas é como não tivesse ido...
Papai sempre chegava à nossa casa na sexta feira, depois de semana pesada de trabalho, lá na usina de Xavantes. Eu sempre ficava ansioso à espera, sentado à porta de casa e às vezes saindo à rua para ver se ele vinha subindo, com seu chapéu claro e um cigarro de palha sempre entre os dedos. Se não subia a rua eu voltava a brincar com os mandorovás que consumiam as folhas de nosso coqueiro. Mandorová, é um bicho esverdeado e corpo como de uma lagarta que se alimenta de folhas de vegetais, no caso era o nosso coqueiro, ao lado da nossa casinha pequenina.
Acho que toda criança pensa do mesmo jeito no que se refere aos seus pais. Eles são superpais, imbatíveis, perfeitos, poderosos e autossuficientes. Não precisam de nada e estão sempre a postos, sempre nos provendo, ofertando, servindo, doando...
Hoje percebo que, à medida que crescemos, tomamos consciência e responsabilidade, autossuficiência, parece que os pais não são tanto assim, parecem um pouco menos invencíveis, não há tanta sensação em suas ideias, tornam-se repetitivos e desatualizados, suas estórias não são tão atraentes assim e até se mostram assustados sem saber o que fazer com o nosso crescimento e com o avanço de suas idades.
Numa daquelas sextas feiras desci a rua correndo ao encontro dele, mas, era outro homem e a ansiedade me enganou. Envergonhado na minha inocência de criança, fujo correndo e volto a brincar com aqueles bichinhos esverdeados do nosso coqueiro.
Ah! O mundo... Penso que hoje, nossos pais têm de se esforçar tremendamente para se encaixar no modo de vida dos filhos, sabiam que o mundo era repleto de possibilidades, era grande a ponto de jamais o conhecermos por inteiro e talvez não tenha nos contado para nos proteger. Por que será que papai trabalhou tanto, fez tanto esforço para nos criar e educar para Deus e para os homens, por que será que deixou de fazer tantas outras coisas? Talvez porque tivesse a responsabilidade e a consciência de ser o provedor do destino de seus tantos filhos e filhas. Éramos dez!
Acredito que a base da minha educação, o meu senso investigativo e crítico, a minha busca pelo conhecimento, meu destemor pela vida e até meus acertos e desacertos devo a ele. É certo que pesaram mais desacertos e tolices, talvez porque eu não tivesse compreendido as mensagens e colocações subliminares que me eram percebidas. Talvez também por ter me tornado um jovem e um adulto sem sua presença, longe de suas asas. Ele se foi e eu só tinha treze anos...
Lembro-me que às vezes papai chegava na quarta feira à tardinha para logo voltar na madrugada de quinta. Acho que vinha mais pra namorar e aproveitava pra nos ver... Mamãe mantinha sempre seus brilhantes olhos claros e um sorriso de boas vindas, um sim ao repouso do guerreiro. E nestes dias eu me deitava na sua cama e ouvia suas histórias e histórias do mundo.
Ele me falava da história da Terra, de Deus e Sua criação, me falava de Ciro, de Nabucodonosor, da Divina comédia de Dante, do feudalismo, de como plantar mandiocas e verduras, ou como alimentar as lebres de nosso quintal, isto tudo entre tragadas de seu cigarro de palha. Eu não estranhava nada que viesse dele, suas atitudes sempre foram de proteção, carinho, correção.
E ele também sonhava. Sim, era um sonhador. Todos nós sonhamos, todos nós temos desejos, nós todos almejamos realizações. Há quem passe a vida toda em uma empresa, há os que seguem o mesmo destino de seus pais, outros que tem espírito nômade e vão de um lugar para outro, mas, muitos não fizeram o que queriam, não realizaram seus sonhos de criança. Choro, porque os dias passam breves...
Por que será que nossos pais insistiam em nos dizer o que deveríamos fazer se eles mesmos ousaram pouco, perto deste mundo imenso em que vivemos?
Queremos fazer diferente do que fizeram nossos pais, viver muito e trabalhar pouco, nos achamos fortes e olhamos nossos pais por sobre os nossos ombros, já o vemos atrás de nós, na distância do tempo. Enchemos-nos de certeza, mas, com tantas possibilidades não sabemos o que escolher. Abrem-se então as portas dos erros e dos acertos da vida, a incerteza da nossa história.
E sem nos dar conta disto formamos a nossa própria família, nos alicerces da construção de nossos pais, construindo a nossa identidade, copiando e repetindo as coisas de nossos pais.
Nossos pais estão sempre grudados nos nossos pensamentos. É a nossa referência, o nosso olhar para o mundo. Temos, embora não nos conscientizemos, as mesmas qualidades, as mesmas virtudes e as mesmas fraquezas, a mesma forma de ver, a mesma forma de falar.
De Belchior, o cantor: A minha dor é perceber que, apesar de termos feito tudo, tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.
Insensato destino. Lembro-me quando, lá no ano de 1.969, eu estava esperando meu pai chegar da usina. Ele chegou, sem a sua boa alma, só um corpo frio trazido no assoalho de um veículo, marcando a desgraça da falta dele para sempre, eu só tinha treze anos...
Digo que, quem foi o meu pai, ou quem é o pai de muitos, é um fato mais gritante e mais imperativo que está dentro de nós, mais ainda do que ele ensinou ou falou.
Era a presença dele, o amor muitas vezes não demonstrado, o abraço esquecido que nos moldaram como somos. É muito simples de se entender. Papai foi o que deveria ter sido.
Sempre teremos nossos pais dentro de nós, não importa o grau de sua presença ou de sua ausência. E, não tive o privilégio de servi-lo na sua velhice, de forma que exorto aos que ainda podem servi-los que o façam. É a mudança de lugar do filho que recebe para o filho que serve e oferece, que cuida e retribui de maneira prática o amor recebido.
Não é magnífico o ciclo da vida? Nascemos filhos, crescemos e nos tornamos pais de nossos pais envelhecemos e nos tornamos depois filho de nossos filhos. Exercitamos o dom de poder cuidar, servir, honrar, alegrar, chorar e amar. É mesmo divino. Nascemos dependentes de nossos pais, morremos dependentes de nossos filhos.
Para encerrar, penso que somos parte do corpo de nossos pais, somos gerados no ventre de nossas mães, portanto somos uma só carne, um só corpo e ninguém, conscientemente, deixa de cuidar de parte de seu corpo sem que sofra consequência deste ato.
Um dos mandamentos deixados por Jesus Cristo é a nossa obrigação espiritual e moral de honrar nossos pais ou aqueles que se fizeram nossos pais por amor e cuidaram do desenvolvimento de nossas vidas.
Graças e louvores , a todo momento.
Paulo de Tarso