Crônicas de Pai para Filho - Meu Pé de Laranja Lima
O Meu Pé de Laranja Lima é um romance juvenil, escrito por José Mauro de Vasconcelos e publicado em 1968. Foi traduzido para 52 línguas e publicado em 19 países, sendo adotado em escolas e, claro, adaptado para o cinema, televisão e teatro.
E mesmo com tudo isso, tenho total convicção que meu pai desconhecia totalmente a mera existência dessa obra.
O que não evitou que ele próprio vivesse uma bela aventura ( por assim dizer ), com um pé de laranjas.
O marido de uma de minhas tias, e consequentemente cunhado de meu pai, era caseiro em uma pequena propriedade rural, conhecida pelo exótico nome de Recanto do Manicoré. Evidentemente, logo apelidada por mim como Recanto do Manicórnio ( Um misto de manicômio com corno, visto que só havia um animal de cornos por lá, uma vaca, que eu nunca vi. Dizia-se haver um cavalo igualmente invisível aos meus olhos. ).
Meu pai adorava ir até lá, tanto quanto os personagens das novelas das décadas de 80 e 90 adoravam ir para Angra dos Reis. Porém meu pai preferia evitar os vôos de helicóptero devido a um simples e único fato: não possuía nenhum.
Quando ele se deparou com a laranjeira pela primeira vez, era ainda uma criança. A laranjeira, não ele.
Falo assim para deixar mais poético o fato de que a pobre laranjeira ainda não havia dado nenhum fruto em sua existência.
A partir desse momento o afeto nascido em meu pai em relação a laranjeira chegava a ser tocante. Todas as vezes que ele me encontrava ( e isso era quase todo dia ), ele me narrava as mais improváveis histórias vividas pela árvore.
- A Laranjeira cresceu 7 centímetros, filho! ( ele falava dela com maiúscula na voz ).
E dizia aquilo em um entusiasmo somente superado pelo que sentia quando contava a piada do Aeroporto de Telaviv.
O simples fato de que eu não dava a mesma importância para a movimentada vida da laranjeira, jamais passava pela sua cabeça. Ele acreditava que uma pessoa normal, seria humanamente incapaz de não se emocionar com a trajetória de uma laranjeira em crescer e fatalmente dar seus frutos.
O tempo passou e ele acompanhou toda a gestação da laranjeira como um marido amoroso ( me perdoem a mania de deixar tudo poético demais ).
Até que vieram as primeiras flores, causando um frenesi em meu pai.
Fiquei um tempo sem ver meu pai por causa do meu trabalho. Estive reciclando meu curso de vigilância.
Quando o encontrei, foi justamente para irmos para o Recanto. Eu claro, entrei no carro teatralmente e me aborreci por não terem reconhecido o meu perfeito Adriano Reys.
A laranjeira havia dado seus frutos, e uma chuva serôdia os havia deixado aptos para a colheita.
Mas meu pai não se contentou apenas com algumas laranjas.
Simplesmente ele se apropriou de tudo que a pobre laranjeira podia dar.
Quando tempos depois meu irmão me questionou sobre como andava a laranjeira ( força de expressão, visto que para meu pai, ela só faltava falar ), confessei a trágica verdade:
- Pois papai não só chupou-lhe todas as laranjas que chegavam a trinta ou mais, como ainda tomou chá dos brotos, e por fim arrancou-lhe os espinhos para que pudesse furar seus calos.
O amor entre ele e a laranjeira era também assombrado por sentimentos de interesse.
Típico dos homens para com todas as outras cousas.
Depois da sua morte, a laranjeira também morreu pouco tempo depois. Acusaram a praga, eu creditei sua morte à saudades.