Minha avó e minha vitrolinha
Eu e minha avó sempre nos demos muito bem. Ela com seu jeitinho meigo e perseverante e eu sempre pronto para perguntar: “Vó, hoje a senhora faz bolinho de chuva?” Ela é uma das melhores pessoas que eu pude conhecer, e tudo, quando feito ao lado dela, é eterno e mágico, como comer aquele almoço de domingo, cantar três vezes ao dia a música mais famosa do Chitãozinho e Xororó, contar piadas do Joãozinho e de português aos sábados, assistir filmes de terror das madrugadas da Globo e é claro, assistir novela.
Dizem, que para se dar bem com a avó, deve ser o primeiro neto da coitada. É, eu sou. Aliás, minha mãe é daquelas que adora abrir e fechar o ciclo familiar, tal que minha irmã é a mais nova da rempa de netos da dona Suely. Minha véia me acompanhou sempre, ela ia as festas juninas do parque, comprava Kinder Ovo quando eu estava doente por tanto desejar aqueles gnominhos e tartaruguinhas, me socorria quando minha mãe voltava de uma reunião escolar, me defendia nas brigas do bairro...
Hoje, eu já crescido, ela insiste em dizer que eu a abandonei. Pois não estou mais nas noites de sábado em sua casa e muito menos nas tardes chuvosas para comer aquele bolinho de chuva tão esperado.
Sinto falta daquele tempo que sentávamos a frente da TV seis horas da tarde e dormíamos por lá, na sala mesmo, pois era novela atrás de novela e depois trocávamos o sono pelos filmes noturnos da Globo.
Foi com ela que descobri que não se deve comer terra, e que se minha mãe me xingar, devo dedurá-la. Quando somava cinco anos de idade, ganhei da mesma uma vitrolinha de aniversário e junto um livrinho de piadas. Adorava segui-la por sua casa, cantando aquela musiquinha dos The Originals - “Vem, vem me ajudar...” - acompanhado pela vitrolinha. Ela dançava a beira do fogão, causando uma gargalhada de ambas as partes.
Lembro do meu primeiro aniversário, com ajuda de fotos, claro. Ela se voluntariou a fazer tudo. Fez o bolo, os docinhos, ajudou na decoração e ainda deu uma roupa, a qual guardo até hoje. E me presenteou com um livro de contos, tinha o patinho feio, soldadinho de chumbo, os novos trajes do imperador... foi uma pena eu ter perdido.
Ela sustenta minha baladas de sábado a noite, meus lanches escolares e é claro meus almoços no shopping. Sinto orgulho de ser o primeiro neto da dona Suely e torço para que minha irmã não tome meu posto, camuflado, de neto predileto. E guardo na memória nossos preciosos momentos, como aquele, que ao pôr-do-sol ficamos sentados no quintal, ela embaixo da gaiola do louro e eu, na escadinha, com minha vitrolinha e ficamos cantando as pérolas do “The Orginals”...