EM 1967, ERA SÓ FICAR EM PÉ NA PRANCHA E IR ATÉ A AREIA: NÃO ERA BEM ASSIM!
!"EM 1967, ERA SÓ FICAR EM PÉ NA PRANCHA E IR ATÉ AREIA": Não era bem assim!
Li essa frase em um dos comentários sobre o famoso e controvertido campeonato de 1967. Famoso porque todos concordam que foi uma competição de surf promovida pela Prefeitura e pelo promotor do Guarujá, o saudoso Osmany, com patrocínio do Jornal da Tarde, do grupo OESP, com convidados de outros estados e reconhecido como o 1º Campeonato Paulista de Surf. Controvertido porque leio, ouço e vejo muita gente discutindo sobre esse torneio, todos querendo mostrar que possui mais informações que os outros. Também tenho informações a apresentar.
Nossa equipe de natação do Clube Internacional de Regatas adotou a prática de apelidar todas as pessoas. Havia Picles, Camelo Doido, João Ramalho, Canarinho, Pepê, Catoze Anos, Manga Raglan, Guran e outros. Ao Eduardo, irmão do Edgard Moura Nogueira, o Canarinho, foi dado o apelido de Piolho. Todos referiam-se a ele com esse codinome. Eu e Piolho tínhamos um pacto de sempre procurar as ondas mais difíceis, em busca do “perigo”, principalmente em dias de ressaca no Itararé ou no Guarujá.
Acompanhei o nascimento desse campeonato desde que o Eduardo Moura Nogueira, Piolho, sugeriu ao Osmany realizar uma competição de surf e obteve total apoio. O Dr. Osmany era promotor do Guarujá, morava em um apartamento no Hotel Ferraretto na Rua Mario Ribeiro, centro da cidade. Ali foi a central de organização do campeonato que, nem o imaginávamos na época, se tornaria um grande ícone do surf paulista e brasileiro. Piolho e Osmany tomaram a iniciativa e, aos poucos, as ideias tomaram forma até o dia de início das competições. Poucas pessoas praticavam surf em relação a hoje, e os juízes foram escolhidos dentre os praticantes, a maioria participando também como atleta.
Foi a primeira vez que se pode ver o quanto, em dois ou três anos, havia crescido o número de admiradores do novo esporte. Todas as “tribos” estavam representadas: Emissário, Itararé, Canal 1, Canal 3 e muitas outras, cada uma dizendo-se a primeira a sufar. Uma multidão se concentrava na Praia de Pitangueiras em frente onde hoje localiza-se o Shopping La Plage. Ali era um clube chique, que franqueou a entrada para nós, da comissão organizadora, para fazermos a computação das notas e outros apoios. Havia atletas de toda Baixada. Santista, alguns do Litoral Norte e de São Paulo. E a famosa presença de Trini Lopez, cantor americano de ascendência mexicana, para abrilhantar o evento.
Respirava-se um entusiasmo que, hoje após mais de cinquenta anos, não lembro de ter sentido igual. É um sentimento que ficou vivo na cabeça e no coração de quem participou, seja como atleta ou como plateia. Não lembro de uma onda ou de uma bateria que participei, mas a emoção que senti volta cada vez que recordo daqueles três dias.
Então quando li o comentário escrito como título desse texto, ao mesmo tempo que entendi ser normal uma gozação a respeito de coisas antigas também entendi que foi feito por alguém que sequer imagina como foi difícil chegarmos a realização do campeonato de 1967. E não era tão simples surfar com uma prancha pesada, com 2,80m de comprimento, sem cordinha, parafina de velas, sem protetor solar, sem revistas especializadas e sem ter exemplos que seguir. Era uma época que ouvia-se falar em grandes atletas, no Duke Kahanamoku, mas imagens e filmes sobre surf eram raríssimos. E mesmo assim surfar era muito mais que ficar em pé na prancha. Era manobrar um equipamento bem maior e bem mais pesado, colocar a prancha na parede da onda, sentir o momento de andar até o bico, curtir um “hang five” ou “hang tem”, voltar com dois ou três passos de modo a não sair da onda, tudo isso com cuidado para a prancha não embicar ou afundar a traseira. Enfim era outro “timing” desse esporte maravilhoso, como fazer um jogador atual, acostumado com essas bolas levíssimas, jogar com uma bola de “capão”, dos tempos de Pelé.
Quando acompanho os campeonatos atuais e vejo essa variedade de manobras, esses voos maravilhosos, curto com muito respeito e admiração. São atletas maravilhosos, preparados e treinados para surfarem. O que não era nosso caso, a maioria nadadores de seleção que nos adaptamos ao surf e fizemos o melhor que podíamos. De todo modo me orgulho muito de termos Gabriel Medina, Mineirinho, Carlos Burle, Rodrigo Kocha e tantos outros da Brazil Storm.
Com certeza não era só ficar em pé e ir até a areia. Entre no mar de uma ressaca, sem cordinha, com um pranchão liso com parafina de vela. Você verá que não era tão simples.
Abraços a todos. ALOHA!
Paulo Miorim 10/01/2019.