Amar, verbo transitivo
Foi um tempo em que ela o olhava e pedia que fechasse os olhos. Este tempo era o mesmo que passava rápido quando estavam juntos; tempo infinitamente longo quando separados. Era também o tempo em que ela gostava de flores e que agradecia com beijos por receber um pequeno vaso.
Nesse tempo – ou seria naquele? – ela lhe agradecia, entre beijos, com frases do tipo: “como você é atencioso e se preocupa comigo!”, e isto só por receber um simples quarto de queijo canastra. Era também um tempo em que ela vivia dizendo que tinha tanto medo de perdê-lo – e nem precisava dizer – estava escrito nos olhos dela.
Era o tempo em que ela se emocionava com aconchegos. Pedia que a beijasse direito, que a abraçasse mais forte. E quando ele ia embora, acompanhava-o até o elevador e, abraçando-o, o impedia de abrir a porta. E depois implorava, quase infantilmente, que a olhasse da janela quando fosse embora. Ao chegar em casa, tinha um recado na secretária eletrônica dizendo que o amava tanto, que ele dormisse com Deus. E, mal chegando à manhã, o telefone tocava para desejar-lhe bom dia, para dizer-lhe que o amava.
E tinha também aquele olhar de criança feliz quando ele beijava suas bochechas. Ela, rindo como menina travessa, pedia: beije-me mais, gosto tanto! Sabia adivinhar-lhe: quando ficava chateado, esforçava-se para o entender; se fosse ela a causa, explicava, justificava-se dizendo que mudaria.
Era incansável em repetir, tantas vezes quantas pudesse: muito obrigado por ter me proporcionado ISSO. Isso era tudo aquilo que a tornava grata e comprometida. Só mesmo você! Ele, acostumado à concretude da vida, ficou bobo de tudo por acreditar mesmo que ... só ele!
Foi também naquele tempo – ou seria nesse? – que a vontade de estar junto parecia não ter fim. Pedia-lhe para sentar bem junto (por que você está tão longe?) em qualquer lugar que estivessem. E nessas ocasiões envolvia-o apaixonadamente com seus braços e dizia lindamente: você é o homem da minha vida! Dizia e escrevia: eram especiais, se mereciam.
Tinha medo de falar dele para certas pessoas para não pintar olho gordo, mas para tantas outras falava com orgulho da pessoa que tinha encontrado. Ao telefone dizia: ele está aqui do meu lado! Solidão? Nunca mais, porque, com ele, cada momento podia ser dividido. Contava-lhe coisas e coisas; nada ficava despercebido, nem um espirro, nem uma tosse, nem uma febrinha de nada.
E em troca precisava tão pouco: era apenas a presença daquele a quem amava, a quem pensava amar, um quarto de queijo canastra, de vez em quando um vasinho de flor, um almoço fora aos domingos. Adorava fazer pequenos ciúmes, tinha orgulho de poder fazer ciúmes numa pessoa que só podia mesmo ser o máximo para despertar tanto orgulho.
Foi naquele tempo – ou nesse? – que apareceu um trabalho importante, depois de um longo tempo de espera. Parecia irresponsável, de lá ligava o dia inteiro. Era para pegá-la na hora tal. Queria ouvi-lo, queria almoçar com ele, queria fazer amor. Deixava recados e mensagens amorosas na secretária eletrônica. Por favor, vá devagar. Cuidado com as curvas. Cuidado com a chuva. Quando chegar me liga, tá? O celular tocava em seguida: era ela, querendo saber como estava.
Mandava fotos e as dedicatórias eram pra sonhar com elas. E escrevia cartas; uma vez o motivo foi que achou que ele estava sonolento ao telefone. Outra vez porque o achou tão triste. O que ele tinha, o que ela poderia fazer? A caixa de entrada de e-mails já estava abarrotada pela manhã, tantas e tantas mensagens, coisa de se arrepiar. Chorava de vez em quando – e uma mulher chora quando ama ou quanto é rejeitada; no caso era o amor.
De repente, foi ali, no meio da distração desse trabalho – ou foi em outro lugar qualquer? – que o encantamento quebrou. De um momento para outro. Tão pouco tempo de encanto, e para dizer a verdade o encantamento estava tão bom, mas logo depois ele foi saber que tudo nela durava o tempo de um suspiro. Era incapaz de reter uma emoção, pois a vida cobrava, era preciso andar para frente. E foi andando para a frente, que os dois descobriram que não havia mais amor, pois só diziam “te amo” quando pensavam estar fazendo amor. E era apenas sexo, do tipo que se pode deixar pra depois.
O tempo passou. Nada mais podia recuar.
(Publicado originalmente no jornal O TOCANTINS em agosto de 2002).
Nesse tempo – ou seria naquele? – ela lhe agradecia, entre beijos, com frases do tipo: “como você é atencioso e se preocupa comigo!”, e isto só por receber um simples quarto de queijo canastra. Era também um tempo em que ela vivia dizendo que tinha tanto medo de perdê-lo – e nem precisava dizer – estava escrito nos olhos dela.
Era o tempo em que ela se emocionava com aconchegos. Pedia que a beijasse direito, que a abraçasse mais forte. E quando ele ia embora, acompanhava-o até o elevador e, abraçando-o, o impedia de abrir a porta. E depois implorava, quase infantilmente, que a olhasse da janela quando fosse embora. Ao chegar em casa, tinha um recado na secretária eletrônica dizendo que o amava tanto, que ele dormisse com Deus. E, mal chegando à manhã, o telefone tocava para desejar-lhe bom dia, para dizer-lhe que o amava.
E tinha também aquele olhar de criança feliz quando ele beijava suas bochechas. Ela, rindo como menina travessa, pedia: beije-me mais, gosto tanto! Sabia adivinhar-lhe: quando ficava chateado, esforçava-se para o entender; se fosse ela a causa, explicava, justificava-se dizendo que mudaria.
Era incansável em repetir, tantas vezes quantas pudesse: muito obrigado por ter me proporcionado ISSO. Isso era tudo aquilo que a tornava grata e comprometida. Só mesmo você! Ele, acostumado à concretude da vida, ficou bobo de tudo por acreditar mesmo que ... só ele!
Foi também naquele tempo – ou seria nesse? – que a vontade de estar junto parecia não ter fim. Pedia-lhe para sentar bem junto (por que você está tão longe?) em qualquer lugar que estivessem. E nessas ocasiões envolvia-o apaixonadamente com seus braços e dizia lindamente: você é o homem da minha vida! Dizia e escrevia: eram especiais, se mereciam.
Tinha medo de falar dele para certas pessoas para não pintar olho gordo, mas para tantas outras falava com orgulho da pessoa que tinha encontrado. Ao telefone dizia: ele está aqui do meu lado! Solidão? Nunca mais, porque, com ele, cada momento podia ser dividido. Contava-lhe coisas e coisas; nada ficava despercebido, nem um espirro, nem uma tosse, nem uma febrinha de nada.
E em troca precisava tão pouco: era apenas a presença daquele a quem amava, a quem pensava amar, um quarto de queijo canastra, de vez em quando um vasinho de flor, um almoço fora aos domingos. Adorava fazer pequenos ciúmes, tinha orgulho de poder fazer ciúmes numa pessoa que só podia mesmo ser o máximo para despertar tanto orgulho.
Foi naquele tempo – ou nesse? – que apareceu um trabalho importante, depois de um longo tempo de espera. Parecia irresponsável, de lá ligava o dia inteiro. Era para pegá-la na hora tal. Queria ouvi-lo, queria almoçar com ele, queria fazer amor. Deixava recados e mensagens amorosas na secretária eletrônica. Por favor, vá devagar. Cuidado com as curvas. Cuidado com a chuva. Quando chegar me liga, tá? O celular tocava em seguida: era ela, querendo saber como estava.
Mandava fotos e as dedicatórias eram pra sonhar com elas. E escrevia cartas; uma vez o motivo foi que achou que ele estava sonolento ao telefone. Outra vez porque o achou tão triste. O que ele tinha, o que ela poderia fazer? A caixa de entrada de e-mails já estava abarrotada pela manhã, tantas e tantas mensagens, coisa de se arrepiar. Chorava de vez em quando – e uma mulher chora quando ama ou quanto é rejeitada; no caso era o amor.
De repente, foi ali, no meio da distração desse trabalho – ou foi em outro lugar qualquer? – que o encantamento quebrou. De um momento para outro. Tão pouco tempo de encanto, e para dizer a verdade o encantamento estava tão bom, mas logo depois ele foi saber que tudo nela durava o tempo de um suspiro. Era incapaz de reter uma emoção, pois a vida cobrava, era preciso andar para frente. E foi andando para a frente, que os dois descobriram que não havia mais amor, pois só diziam “te amo” quando pensavam estar fazendo amor. E era apenas sexo, do tipo que se pode deixar pra depois.
O tempo passou. Nada mais podia recuar.
(Publicado originalmente no jornal O TOCANTINS em agosto de 2002).