Na dúvida, morreu o rato.
Na verdade, eu tenho acreditado mesmo é em que os acontecimentos surgem da mesma foram como brotam as plantas, como nascem os gatos, ou como vivem os elefantes.
Como vivem os elefantes? Ora, elefantando!
Veja bem, claro que não sou eu quem estabelece o modo como as coisas devem acontecer. Independente de mim, elas sempre estiveram aí... coisando. Outro dia mesmo eu atravessei uma velhinha na rua. Falta de freio, reconheço. Imprudência ou imperícia?! Não, não, não, prestei todos os socorros necessários; pena a coitada não ter resistido. Fatalidades!
Houve um tempo, quando eu era criança, em que pensei que uma boa maneira de driblar a morte fosse arranjando uma forma de conhecer a desencarnada, saber das suas estratégias administrativas, do seu perfil empreendedor para, a partir dali, me esconder quando ela chegasse à minha procura.
Eu continuo vivinho da silva, mas confesso que me escafedi algumas vezes, por desconfiar de um indivíduo que aparecia de terno lá na minha rua para vender enciclopédia Britânica. Era sempre no verão, no período das férias escolares, como se, de propósito por a meninada toda estar ali, disponível para mais um seu lançamento contábil. Invariavelmente, após cada período de abordagem daquela criatura, ocorriam baixas na molecada.
Por conta da falta de médicos na cidade para diagnosticar a causa daquelas mortes, os adultos iam arriscando todo tipo de palpite: tuberculose, asma, neoplasia, bronquite aguda, doença de Chagas... mas a maioria achava mesmo que era desnutrição, coisa que eu não conseguia compreender, já que se esses pais acabavam assumindo vultosos compromissos financeiros com a aquisição daqueles volumes, dinheiro que daria para comprar um monte de bifes, batatas e feijão, teriam da mesma forma, supunha eu, o equivalente para cuidar da alimentação de seus filhos. Os óbitos, porém, iam acontecendo, ficando cada vez mais claro para mim que o homem dos livros era mesmo o senhor das mortes.
Na medida em que aqueles meninos iam embarcando, eu ia desenvolvendo um remorso voluntário por me esconder, achando que isso garantiria apenas a mim o salvo conduto para a eternidade. Diga-se de passagem, eu me escondia muito bem, não dava chance de ser descoberto: havia vezes em que nem eu mesmo me encontrava, ficava lá perdidão. Precisava a minha mãe, com o seu faro materno, me achar nos esconderijos ultrassecretos em que eu me metia.
Atualmente, eu não me escondo não. Muito pelo contrário, estou aceitando propostas para deixar de ser vivente; apenas estabeleço uma ou outra exigenciazinha. Outro dia mesmo, peguei uma pneumonia braba e um enteado do cara lá de cima veio me perguntar se eu fazia gosto em preparar as malas já. Tem Fanta Uva, perguntei; não gostaram. Só falta agora o Tranca Rua mandar recado. Vou logo avisando: Só vou para ser diabo chefe!