Ata de reunião
Alguém me disse que eu deveria escrever. Respondi que eu gostaria, mas que não conseguia. A cabeça não responde à vontade enorme das mãos, ao anseio das palavras em dizer algo ao papel. Mas, dizer o quê?
É cruel a sensação de querer dizer alguma coisa que não se faz a menor ideia do que seja.
Talvez eu possa explicar porque isso acontece:
O Orgulho exige que sejam escritas palavras simples, em frases curtas e bem conectadas, ao maior estilo Aldir Blanc ou Veríssimo.
Tal desejo, de tão absurdo, desperta a admiração da Inocência, que, por sua vez, há tempos já não tem muita voz e se cala ao menor olhar torto da inconveniente Desconfiança, que ganhou muita auto-confiança ao longo do tempo e da quantidade de vezes que se provou correta.
Poucos conseguem se sobrepor à Desconfiança, e alguns desses são as irmãs conhecidas como Emoções, extremamente diferentes entre si. No entanto, elas são, geralmente, muito caladas e contidas, até que, num momento-chave sempre imprevisível, passam a gritar a plenos pulmões, de forma que somente a Razão consegue igualar. No caso em questão, o que iniciou a gritaria foi o perfeccionismo da sugestão do Orgulho de priorizar a forma em detrimento do conteúdo. Ainda sobre as Emoções: quando resolvem se expressar, esquecem-se totalmente dos ensinamentos da velha e paralítica Cortesia e ignoram os exemplos do ancião Respeito (que nem mesmo foi convidado à reunião), até mesmo - e principalmente - no que diz respeito de umas às outras. Surge, assim, uma algazarra tão grande que fica impossível compreender o que qualquer uma delas diz.
Então, a Razão, presidente da mesa e amiga íntima da Desconfiança, expulsa do recinto a insistente e repetitiva (porém muito franzina) Paciência, e, assim como todos os presentes, perde totalmente a compostura, dando a brecha que a oprimida Loucura precisava para entrar na conversa.
Sendo a Loucura a cereja do bolo que esse cenário caótico precisava, nenhum dos presentes pode, em meio a tantos e tamanhos gritos, ser devidamente escutado e muito menos compreendido.
Mas, diante de tantos argumentos contrastantes e devidamente fundamentados por seus experientes defensores, há alguém que não se preocupa nem um pouco em argumentar sobre nada. É alguém que só quer fazer. Fazer algo. E fazer logo. A Ansiedade, apressada e imatura que só ela, não se controla e dá um leve empurrãozinho naquelas impulsivas mãos já mencionadas.
Então, o que aqui foi escrito e por você está sendo lido não passa de um devaneio dessas mãos, que precisavam apenas do tal empurrãozinho para se aproveitarem desse pequeno momento de anarquia interna para fazerem o que bem quisessem.
Portanto, creio ser melhor parar por aqui, antes que seja dito algo que possa acordar o Arrependimento, que é o implacável carrasco de TODOS os que estão presentes na discussão, e que jamais deve ser despertado.
24 de agosto de 2016