AOS TRANCOS E BARRANCOS

Agora tinha certeza. Por mais que andasse buscando novos caminhos, a sua vocação era voltada ou para mudar o mundo ou mudar a própria vida. Estava certa que não tinha talento para a busca da transcendência. Por várias vezes, ao longo dos anos, em suas crises e mutações, não era o desejo de encontrar um nicho esotérico ou institucional-religioso que a entusiasmava. Não gostava de preceitos, gurus e crentes.

O que queria mesmo e, desde que se entendia como gente, era sair de seu lugar, renovar de espaço ou mudar de povo. Costumava confundir uma coisa com a outra.

Todas essas nuances centralizavam-se no espaço- sair para outro país, outra língua, costumes, gente diferente. Este desejo era recorrente. Ora, se tudo voltava era porque não conseguia satisfazer o seu desejo e perdurava o sonho. E, do sonho não queria abrir mão.

Quem sabe esta fantasia não se concretizava qualquer dia? Recomeçava a ampliar o seu leque de alternativas: sair para o interior do estado do Rio de Janeiro, ou Minas Gerais ou mesmo o sul do Brasil. Não queria Portugal – que estava em alta entre os brasileiros – que emigravam do país. O seu sonho de consumo era morar no Uruguai. Ter outra vivência ao estreitar o elo latino americano com um dos países menores e mais democráticos do continente. Como ele só a Costa Rica. Navegar é preciso.

Para resolver as pendências do querer de um ser peregrino, não podia se afobar, pois “não era para já”, como dizia a canção de Buarque. Só daqui a alguns anos quem sabe? Teria de resolver suas demandas materiais e, entre o feijão e o sonho não podia escolher, teria de ficar onde estava garantida sua sobrevivência.

Sempre escapando das ebulições do contexto social e das pressões cotidianas, os limites e recuos surgiam de vez em quando em torno da busca da certeza de seus sentimentos, e de como atingir o ponto de chegada das mudanças possíveis.

Envolvida no presente e nas lembranças do passado, recordava de suas fissuras emocionais que brotavam junto às reflexões para o futuro: “cá para nós, será mesmo a vida uma ‘benção’ como os otimistas gostam de repetir ou será uma ‘maldição’ bem ao gosto dos existencialistas”?

Viver num mundo em que a forma de poder societal –é sempre imposta e desigual – não pode ser uma benção. E, para os espiritualistas a terra é um lugar de aprendizado e purgação. A maioria dos que têm fé fala de uma trajetória de sofrimentos e sacrifícios individuais e coletivos. Sabemos que os mais pobres e indigentes são os que mais enfrentam vicissitudes. Mas as guerras imperialistas acabam por atingir a humanidade. E até quando isso vai durar?

Já começa a achar que os espiritualistas podem estar certos, embora suas explicações sejam em geral simplificadas. E, como admite o Papa Francisco “todos hoje, cultuam o Deus Dinheiro”. Quem sabe os cristãos voltem às suas posições da década de 1960 mais voltadas para a ação social que a filantropia? Entretanto, alguns pensadores continuam a afirmar que não haverá muito a fazer para modificar as formas de organização existentes. Que o único sentido para viver é mesmo lutar pelo crescimento individual. Outros tempos, outros valores...

Embora o mundo esteja mais para a treva do que para a luz, os embates coletivos não cessarão por conta dos equívocos da luta política ou da vontade dos grupos religiosos. Vemos lá e cá alguns movimentos sociais expressivos sejam pelo resgate das condições de luta das classes, sejam pela pressão das minorias e, mais recentes as práticas sociais articuladas às pressões ecológicas. Ponto para eles.

Todavia existem outras trilhas a seguir. Relatos sobre trajetórias particulares afirmam o prazer de mergulhar no equilíbrio do ser – em um processo intimista. Curioso pensar, que a busca da verdade interior e da auto- satisfação voltaram à ordem do dia. É uma opção como qualquer outra que deve ser motivo de escolhas pessoais.

Para outros que pretendem trocar o seu espaço do dia-a-dia em busca de novos caminhos, como: especialização profissional, aprendizado de língua, ou mesmo sair da mesmice pela necessidade de aventura. Certa coragem para soprar a brasa dormida do desejo pessoal de mudança.

Entretanto, com tantas pedras no caminho somente dando asas à imaginação para ir tecendo o fio condutor da esperança. Mesmo que aos trancos e barrancos iria encontrar o ponto mágico da vereda de Sangri- La, a região auspiciosa, o lugar imortalizado por James Hilton em Horizontes Perdidos. Acabaria por achar a sua Utopia.

ISABELA BANDERAS

Rio, 08 de janeiro de 2019.

ISABELA BANDERAS
Enviado por ISABELA BANDERAS em 08/01/2019
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