Chovia, chovia e chovia. Ele, ermitão urbano do século XXI, contemplava da janela as gotas escorrendo pela vidraça, ajeitando o cordão do robe-des-chambres e baforando um velho cachimbo caiu em si: a solidão não era adorável coisa nenhuma.
     Tentou de tudo um pouco: ler um livro, ligar para amigos, escrever uma crônica. A história do livro não o seduziu, as ligações caíram na caixa postal e a inspiração não veio. Foi então que se deu conta de que nosso cão moderno é o computador, mais fiel e silencioso, com vírus, mas sem bactérias. Ligou-o.
     O inexplicável sentimento de urgência era o de quem esperava uma solução inadiável. O Windows demorou uma eternidade cumprindo seus lentos rituais até ficar pronto para ser usado. Quando a tela se abriu ele pensou: isso é como o gesto da mulher amada para receber o amante em uma noite de prazer. Visitou todos os sites de costume para bisbilhotar o mundo. E então ...
     O canto direito da tela piscou com um anúncio estranho. Convidava-o a entrar no mundo onde solteiros e solitários se inscreviam para conversar e encontrar caras-metades. E então pensou: “melhor que telefonar, melhor que testar as casualidades da noite. E lá vou eu”. E foi.
     Tamborilou os dedos nervosos no tampo da mesa enquanto lia os protocolos iniciais para entrar naquele mundo prometedor. Preencheu os dados eticamente, exceto a foto: na hora de escolher encheu-se de pudor. Não desejava ser reconhecido como era – não uma celebridade, mas um honrado homem de ciências do baixo clero que demorou décadas para conquistar respeito e uma nesga de admiração. Sua fama era modesta e rasa como o cantar de uma avestruz, não passava dos grotões. Mas era tudo o que tinha. Portanto, nada de fotos.
     Mas o site insistiu: somente 3% de pessoas sem fotos eram acessadas. E recomendou que escolhesse as de melhor feição. Hesitava entre postar esta ou aquela quando se deparou com uma bem interessante; era ele na plenitude de seu vigor físico. Seu olhar abundava confiança no futuro. E, num clique singelo, despachou-a para encontrar o seu destino.
     Três horas mais tarde, com a chuva insistindo em cair pelas vidraças e atacado outra vez pela sensação de abandono, a volta ao site. Digitou “Tsunami” e a senha. E logo um mundo mágico se abriu, com 132 pretendentes. Sílvia, a advogada. Mineirinha e Kika, vendedoras. “Não gosto”, uma empresária. Rosinha, corretora de seguros. “Não tenho”, a relações públicas de BH. Tinha ainda psicólogas aos montes, advogadas, secretárias executivas, pedagogas, professoras, uma juíza de tribunal, cinco advogadas, uma segurança de supermercado a e até uma autônoma, eufemismo conhecido de empregada doméstica em regime de diarista.
     Quando começaram a pipocar as mensagens de cuidadoras de idosos e enfermeiras, ele sentiu um forte arrepio na lombar, uma região onde era mais do que sensível ao medo.

     Sentiu-se o gostosão do pedaço. Fez as contas, no que ele era muito bom: 132 pretendentes em duas horas davam uma média de 1,1 pessoas por minuto. Experimente contar até 60 e, nesse tempo, uma pessoa desconhecida se interessar por você! É de levantar defunto em final de exposição no velório.
     Não hesitou: abriu, da primeiro à última mensagem, sem pausa para responder. Em 90% dos casos as mulheres estavam absolutamente entusiasmadas com a pessoa da foto do cinquentão explicitado no perfil. Milagre genético, plástica ou o quê? Ninguém notou a tonalidade sépia, quase preto e branco, sugestiva do início dos anos 80.
     As vidraças deviam estar muito embaçadas para aquelas mulheres.