O QUE APRENDI COM A MORTE DO MEU PAI

Vinte e seis de maio de dois mil e dezoito: acordei com várias mensagens do meu irmão dizendo que meu pai havia tido um infarto

e estava internado na UTI. Naquele momento um sentimento de desespero tomou conta de mim e corri para ver passagens a Manaus.

Aquele voo de três horas e meia foi o mais angustiante da minha vida: o medo de não poder ver meu pai com vida me atormentava, pois

eu sentia que ia perdê-lo.

Ao chegar na UTI tive o impacto ao vê-lo tão debilitado, mas ao ouvir minha voz, ele abriu os olhos e ali foi o último momento mais lindo

que tive com ele em vida: por mais que o cenário não fosse o que gostaria, poder falar, sentir ainda o calor da sua mão apertando a minha,

falar do meu amor e da minha gratidão a ele me confortou. E aquela chama de esperança voltou a aquecer meu coração, afinal de contas, enquanto existir a vida, existe a esperança.

NUNCA ESTAMOS PREPARADOS PARA PARTIDA DE QUEM AMAMOS

Após alguns dias, seu quadro estabilizou, e retornei a São Paulo. Mas no momento em que me despedi dele na UTI, onde ele quase não respondia mais, disse no seu ouvido: "Pai, eu te amo, obrigada por tudo!"

Ao sair da UTI fiquei olhando pra ele até a porta se fechar: vivia um misto de despedida e esperança. Chegando em São Paulo, meu coração que geralmente não se engana, chorava em silêncio, mas eu queria acreditar que ainda o veria saindo com vida daquele hospital.

O INEVITÁVEL

Cinco de junho de dois mil e dezoito: terça-feira de manhã nublada em São Paulo, e meu coração sofrendo apertado. Sentia que algo não ia bem. Ao perceber que ninguém da minha família havia se comunicado (o que me soou estranho), liguei para meu irmão que não me atendeu. Liguei pra minha irmã que também não me atendeu. Resolvo então ligar para minha mãe, e ao ouvir a voz dela, eu tive a terrível certeza de que meu pai já tinha partido desse mundo.

Desabei.

A única coisa que lembro foi ter sentido uma dor tão forte no peito, que chegou a ser física e que meu marido me encontrou no sofá toda encolhida aos prantos. Lembro do abraço dele que me levantou porque eu tinha praticamente "morrido". Ao falar desse momento hoje, eu choro. Não consigo explicar o quanto foi doloroso. E mais uma vez tivemos que ver passagens a Manaus para ter que me despedir definitivamente do homem que me deu a vida.

Mais três horas e meia de voo, onde foram suficientes para passar um filme desde a infância até aquela nossa despedida na UTI. A retrospectiva de uma vida toda em que ele esteve presente, e que a partir dali não estaria mais. Enlouquecedor!

A DESPEDIDA

Ao chegar no velório e encontrá-lo sem vida e ver minha mãe ao lado do caixão chorando em silêncio foi o pior momento da minha vida. Chorei compulsivamente. Ali estava simbolizado que minha família nunca mais seria a mesma.

Familiares e amigos, todos demonstrando solidariedade naquele momento.. horas intermináveis de uma despedida tão dolorosa e que eu pensava não suportar, mas vivi, passei e sobrevivi...

A DOR

De volta a São Paulo, a rotina me chamava mas eu não entendia como iria continuar a vida sem ele. Como eu teria forças pra seguir com uma dor tão grande no peito que nem me deixava respirar direito? Os dias foram passando, a dor continuava me sufocando, mas voltei a rotina, aos compromissos e ao trabalho. Me sentia destruída. Como se fosse um edifício implodido em que as fundações permaneceram, porém arrasadas. Tiveram ocasiões em que eu queria gritar de tanta dor e de desespero e em outras não conseguia derramar nenhuma lágrima sequer. Não aceitava. Não entendia. Me perguntava porque com meu pai? Porque com a minha família? Porque tão jovem perdê-lo?

Com o luto vem de brinde indagações, a não aceitação, o desespero, o sofrimento, e me senti como se não tivesse mais luz. Que tempo difícil e doloroso!

METAMORFOSE

Hoje, cinco de janeiro de dois mil e dezenove, 7 meses da partida do meu pai, não consigo ainda dizer que estou 100% bem. O luto não tem um tempo de validade e passa por uma grande mutação e vai se transformando: de uma dor dilacerante vai se tornando em uma saudade nostálgica, um pouco dolorida, porém mais leve. As lágrimas não são mais tão diárias e vou chegando a um, que parece terrível, aprendizado adquirido do luto: algum dia deixarei de chorar a morte. Isso não significa que não chorarei de saudade. Mas espero chegar no ponto em que a dor da morte e da perda será insignificante com relação a saudade e as recordações de tudo o que vivi com ele.

De prédio implodido e destruído como me sentia, hoje percebo que estou em processo de reconstrução, ressignificando muitas coisas em minha vida, dando mais valor ao que realmente importa.

O TEMPO CURA (QUASE) TODAS AS FERIDAS

Encontro-me nesse processo: aprendendo a viver sem ter a presença física do meu pai e a lidar com uma saudade que nunca irei matar. Vejo e revejo fotos, lembro dos momentos felizes, repito frases ditas por ele, reproduzo atitudes e ensinamentos deixados por ele. Desejo imensamente poder apresentar para meu filho (quando tiver um) quem foi o meu pai e transmitir a ele o amor do vovô Carlito, que está no céu olhando por nós.

Quando desejo arduamente ouvir sua voz, fecho os olhos e o busco dentro de mim. Nunca imaginei que depois de sofrer tanto, pudesse conseguir fazer meu pai morar dentro de mim. Sei que essa ferida que a dor deixou algum dia vai cicatrizar, porém a cicatriz fará sempre parte da minha alma.

ESCOLHA

Não se refaz a história. As vezes tentamos jogar pra debaixo do tapete, ou querer voltar pra trás, porém não tem mais volta. Tudo foi como deveria ser. Se me perguntassem se gostaria que meu pai retornasse, é claro que responderei que sim. Mas a vida não permite retornos. Já são 212 dias da sua partida, e o que me resta a fazer é VIVER!

Escolhi a certeza de que vivemos a vida que foi possível termos vivido. Isso transforma a dor em saudade, alivia o tormento e dá a paz. E ainda permite pavimentar o caminho que continuaremos percorrendo juntos, eu e ele, não como peso de dor ou como fantasma, mas como companhia essencial, pois sou parte dele nesse mundo e ele parte fundamental de mim.

Amei-o muito e fui pra ele em vida o que pude ser! Ele me faz muita falta! E tenho orgulho do que vivemos e construímos juntos, do que me tornei e de quem sou hoje graças a ele.

Nosso amor de pai e filha não poderei mais ver, mas sentirei por toda minha vida! Te amo eternamente pai!

É hora de (Re)viver!

Karla Barros
Enviado por Karla Barros em 05/01/2019
Reeditado em 05/01/2019
Código do texto: T6543821
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