Eu fui uma criança difícil. Aos cinco anos, aprendi a ler e a escrever, e isso me isolava do mundo.
Ficava horas lendo e depois mais horas escrevendo modificando cada estória que tinha final triste ou simplesmente que não me agradava... Eu era encarregada de contar as histórias infantis para meus irmãos mais novos... e, então, era uma barafunda...
Eu trocava os nomes dos personagens, os temperamentos e até justificava de forma cômica seus comportamentos mais bizarros...
Recordo-me da insatisfação de minha mãe. E, do riso de canto de boca, pois, no fundo, ela também achava engraçado o arremate que eu dava nas estórias infantis...
O bicho papão, por exemplo, era um bicho feio, uma cachorro vira-lata, filhote de uma bela cadela de raça...tipo poodle, com um ladino sem raça definida, mais dotado de um charme irresistível.
O bicho papão era mero bastardo, pois a família que tinha um poodle com pedigree não iria mesmo adotar um vira-latinha..
Recordo, certa feita, quando cobraram-me que fosse fiel a história original... e, eu sai pela tangente, assim, eles vão ter que ler a história, para fazer a sua própria outra história...
Eu destoava do restante das crianças, eu ficava a admirar coisas que a maioria das crianças nem ligavam... Orvalhos, manhãs, eclipses... Eu via no eclipe um romance do sol com a lua... e o resultado final era lilás lindo no horizonte. A escola recomendou que minha mãe levasse-me ao psicólogo... e, assim foi feito.
Logo na primeira sessão, o senhor grisalho com olhar grave, me questionou o que você tem para me contar... eu, matreira, respondi: para o senhor nada, o senhor tem cara que sabe de todas as coisas,
até aquelas que a gente nem percebe...
Ao final da sessão, o grisalho senhor, chamou a minha mãe. E, pediu para eu esperar na sala de espera, onde imperava revistas, quadrinhos e brinquedos completamente inocentes...
E, então, eu pedi a recepcionista: você não teria um sorvete de creme? E, ela sorrindo disse: não. Mas, tem balinha. De creme? Ela, novamente: é claro que não! E, eu retruquei zangada: isso não é justo!.
E, continuo achando a mesma coisa...