O devedor

A historinha que lhes conto foi ouvida em um bar desta minha terra e este narrador a reproduz do jeito que ouviu.

O sujeito era um tremendo de um mau pagador e acumulava dívidas no boteco, na padaria, na farmácia, onde quer que lhe dessem crédito. Tinha um sobrenome alemão muito complicado, mas, como lá na repartição ninguém conseguia pronunciar aquilo, acharam cômodo tratá-lo, na brincadeira, por Muller, que tinha todos os qualificativos do malandro brasileiro.

Para as dívidas, Muller se sustentava na filosofia:

- Dívidas antigas a gente não paga e dívidas novas a gente deixa envelhecer.

Como era de boa conversa e não acumulava grandes dívidas com o mesmo fornecedor, as pendências iam ficando velhas, e alguns credores até costumavam editar novas dívidas.

Certa feita, o próprio escriturário confidenciou que estava vivendo uma situação desagradável; o dono da farmácia não lhe dava sossego. Eram telefonemas para casa, para o trabalho; eram recados que os amigos transmitiam e, pasmem!, o sujeito teve a petulância de abordar a mulher do Muller. Era de mais para sua honra!

A verdade é que a abordagem contumaz fez nosso personagem, muito a contragosto, ceder à necessidade de praticar aquele ato honroso que o desonrava. Foi ao banco pela manhã, recebeu o salário do mês, procurou o homem da farmácia e quitou o débito, seguindo decepcionado para a repartição.

A rotina de papéis e arquivos o distraía naquele dia de exceção. A farmácia era perto, e Muller assustou-se quando ouviu sirenes e uma ambulância parar em frente ao estabelecimento. Imaginou que algum cliente tivera um mau súbito. Tamanha foi sua surpresa quando viu o dono sair, na maca. Sofrera um enfarte e dali a alguns minutos a notícia de sua morte chegara à repartição. Muller esboçou um ar de tristeza e desafabou com o amigo que nos contou esse episódio:

- Puxa vida! Por uma questão de horas perdi a oportunidade de eternizar uma dívida! Que coisa triste...