Surpresa de ano novo
Algumas pessoas têm uns carmas eternos. O meu chama-se dentes fracos. Desde criança sofro com isso. Dizem que sou da geração Biotônico Fontoura.
Passei a virada do ano com dor de dente. Aquela dorzinha chata que não dói o suficiente pra gente arrancá-lo sem anestesia, mas não deixa a pessoa fazer nada.
Ontem liguei para o consultório do meu dentista, já nos conhecemos há mais de vinte anos, se eu morresse sem identificação ele teria como me identificar só de vê meus dentes.
Embora fosse a primeira semana do ano novo, eu tinha esperança que ele já estivesse atendendo. Então liguei.
- Bom dia Lili, tudo bem?
- Dr. Castro já está atendendo?
- Doutora a senhora não soube?
- O quê?
- Dr. Castro teve um probleminha de saúde. Não resistiu e morreu. Mandamos mensagens para seus pacientes. Talvez a senhora não tenha recebido.
Desliguei meio sem chão. Fiquei triste, pois foram anos de convivência. Lembrei-me da última vez que estive no consultório e ele disse-me que sua esposa estava chateada porque ele tinha comprado algo que ela não queria, mas apesar das brigas, ele estava feliz da vida com sua aquisição. Era um cara ainda novo.
Ele venceu pelo trabalho. Veio do interior, conseguiu se formar e ganhar a vida honestamente. Foi professor universitário e dentista. Quando o conheci ele dava aula em cursinho. Não fui sua aluna, pois eu não tinha dinheiro para pagar o curso. Naquela época, eu tinha que fazer um canal num dente que não me deixava dormir, mas era muito caro. Fui com uma amiga até ele, que sem nem me conhecer, dividiu o valor em 10 vezes na promissória.
Falei com sua filha e vi que todos já retomaram suas vidas, como deve ser. Fiquei pensando se ele viveu muitos momentos felizes, se foi intenso e inteiro nessa vida, se tomou as rédeas do próprio destino ou apenas seguiu o curso; ou ainda, se pôde dizer às pessoas que amava o quanto as amava.
Pensei que, talvez, eu possa partir sem a oportunidade de dizer o quanto amo algumas pessoas, pois sempre achamos que teremos o “amanhã” para fazê-lo, ou, por orgulho, deixamos de viver o amor em toda sua plenitude por medo de sofrer. Mas, um belo dia tudo se vai, e os conceitos e preocupações que tínhamos se tornam nada, assim como nós.
Meu amigo Armengador, escreveu um belo soneto para um amigo morto recentemente, vou colar uma estrofe aqui, que expressa exatamente o sentimento que tenho sobre a vida e a morte, pois um belo dia a corda do violino se arrebenta e alguém tem que partir, e em cada amigo morto a gente morre um pouco, mas do lado de cá tudo permanece igual.
“Vejo o sol nascer desde pequenino
E se deslocar para o anoitecer,
Mas nada muda aqui, dá pra antever,
Cada corda quebrada do violino.”
Bem... saber o que acontece do lado de cá, já está de bom tamanho para mim. Por enquanto, não quero saber do que ocorre do lado de lá. Vida que segue...
Passei a virada do ano com dor de dente. Aquela dorzinha chata que não dói o suficiente pra gente arrancá-lo sem anestesia, mas não deixa a pessoa fazer nada.
Ontem liguei para o consultório do meu dentista, já nos conhecemos há mais de vinte anos, se eu morresse sem identificação ele teria como me identificar só de vê meus dentes.
Embora fosse a primeira semana do ano novo, eu tinha esperança que ele já estivesse atendendo. Então liguei.
- Bom dia Lili, tudo bem?
- Dr. Castro já está atendendo?
- Doutora a senhora não soube?
- O quê?
- Dr. Castro teve um probleminha de saúde. Não resistiu e morreu. Mandamos mensagens para seus pacientes. Talvez a senhora não tenha recebido.
Desliguei meio sem chão. Fiquei triste, pois foram anos de convivência. Lembrei-me da última vez que estive no consultório e ele disse-me que sua esposa estava chateada porque ele tinha comprado algo que ela não queria, mas apesar das brigas, ele estava feliz da vida com sua aquisição. Era um cara ainda novo.
Ele venceu pelo trabalho. Veio do interior, conseguiu se formar e ganhar a vida honestamente. Foi professor universitário e dentista. Quando o conheci ele dava aula em cursinho. Não fui sua aluna, pois eu não tinha dinheiro para pagar o curso. Naquela época, eu tinha que fazer um canal num dente que não me deixava dormir, mas era muito caro. Fui com uma amiga até ele, que sem nem me conhecer, dividiu o valor em 10 vezes na promissória.
Falei com sua filha e vi que todos já retomaram suas vidas, como deve ser. Fiquei pensando se ele viveu muitos momentos felizes, se foi intenso e inteiro nessa vida, se tomou as rédeas do próprio destino ou apenas seguiu o curso; ou ainda, se pôde dizer às pessoas que amava o quanto as amava.
Pensei que, talvez, eu possa partir sem a oportunidade de dizer o quanto amo algumas pessoas, pois sempre achamos que teremos o “amanhã” para fazê-lo, ou, por orgulho, deixamos de viver o amor em toda sua plenitude por medo de sofrer. Mas, um belo dia tudo se vai, e os conceitos e preocupações que tínhamos se tornam nada, assim como nós.
Meu amigo Armengador, escreveu um belo soneto para um amigo morto recentemente, vou colar uma estrofe aqui, que expressa exatamente o sentimento que tenho sobre a vida e a morte, pois um belo dia a corda do violino se arrebenta e alguém tem que partir, e em cada amigo morto a gente morre um pouco, mas do lado de cá tudo permanece igual.
“Vejo o sol nascer desde pequenino
E se deslocar para o anoitecer,
Mas nada muda aqui, dá pra antever,
Cada corda quebrada do violino.”
Bem... saber o que acontece do lado de cá, já está de bom tamanho para mim. Por enquanto, não quero saber do que ocorre do lado de lá. Vida que segue...