CENAS COTIDIANAS - A GORDA TRISTE
A mulher encostou a cabeça na janela do coletivo e chorava discretamente. O homem sentou-se no meio assento que sobrava ao lado dela. Ele era magro e não se importou. A mulher gorda. Muito gorda. Isso era um fato, nada de preconceitos ou eufemismo. Detesto quando tratam por exemplo um negro por "moreninho" ou "escurinho"
Talvez por distração assim que se sentou encostou no ombro dela chamando a atenção da mulher para um pacote de salgado "Você quer?"
_Não posso - ela disse secando as lágrimas.
_ Tá, desculpa - ele acrescentou, vendo que ela chorava. Você está bem?
_Tô sim moço. Não se preocupa. É bobeira minha. Tentou sorrir. É que eu fico tão envergonhada. Já devia tá acostumada, mas quase não saio de casa. Você não reparou: ninguém senta do meu lado. Acho que eles tem nojo de mim. Pensam que isso pega, falou apontando pro próprio corpo, fazendo menção pro tamanho avantajado. Peguei o ônibus lá no terminal porque na rua eu não alcanço o degrau do ônibus tenho as perna curta - voltou a forçar o sorriso. Fácil é ser magrinho como você.
Meio sem saber o que dizer o homem acrescentou meio sem graça que ao menos dava pra correr atrás do ônibus. Vivo saindo de casa atrasado. Se eu perco o outro só depois de meia hora, né.
Ela retomou seu desabafo: outro dia tava um sol forte de tarde, mas mesmo assim caminhei quase 1 km pra chegar no terminal. Se eu dou sinal de parada na rua, os motorista não para ou não entende minha dificuldade de subir no degrau do onibus. Ficam fazendo piada. Dando risada. Ficam comentando porque eu não passo na catraca... Quando eu falei pro meu genro dessa caminhada, ele fez deboche. Disse que eu tenho que andar mesmo pra emagrecer. Que faz bem pro coração. Minha filha acha graça. Ele não sabe o sacrifício que é essa caminhada. Cheguei no terminal com o coração na boca. Achei que fosse morrer...
O homem se levantou apressado. Desceria no próximo ponto. Finalizou a conversa e se despediu. Pensou, talvez depois postasse esse relato no face.
A mulher acenou um tchauzinho e agradeceu. Obrigado por me oferecer o salgadinho e obrigado por me ouvir.
OUVIR PARECE TAO POUCO, MAS É MUITO PARA QUEM PRECISA DESABAFAR, MESMO COM UM ESTRANHO.
(Publicado originalmente no Facebook em 01/09/2016)