JOHNY DEL VECCHIO E A BOCA DO PALHAÇO

JOHNY DEL VECCHIO E A BOCA DO PALHAÇO

Vivi a maior parte da minha época de adolescente na região da Pracinha, em São Vicente. Bem diferente da rapaziada atual, as diversões nada tinham em comum com as de hoje. O que os adolescentes veem nos videogames e na televisão sentíamos na pele, ao vivo e a cores. Na realidade éramos um bando de garotos que, hoje, seriam chamados de moleques de rua. Roubar goiabas e se expor a tiros de sal, caçar passarinhos, depois assá-los e comer, roubar pombos no pombal da Praia Grande, caçar caranguejo e chegar em casa com roupa e o corpo imundos com a lama dos mangues, caçar rã até altas horas da noite em valas com lanterna de carbureto, caçar siri com carcaças de peixes da Peixaria Yamaúti, pescar no costão de Itaquitanduva ou da Praia das Vacas, e muitas outras atividades, eram nosso cotidiano. Acima de tudo, jogar futebol na Pracinha ou na praia. Era sagrado, todos os dias jogávamos o nobre esporte bretão, com sol ou chuva, até anoitecer ou quando as mães chamavam seus filhos aos berros. Agora, registrando essas memórias, me pergunto como tínhamos tempo para tanta aventura.

Com a chegada da adolescência, dividíamos o tempo com outra atividade nova, que era irresistível: jogar basquete no São Vicente Praia Clube. O Praia se transformou em uma segunda casa para nossa turma. Uma das festas mais esperadas eram as quermesses de junho. Chegávamos às sete e só íamos para casa quando a última barraca encerrava as atividades. Tinha muito quentão, pipoca, milho assado, paçoca, amendoim, correio amoroso, cadeia amorosa, músicas dedicadas à pessoa amada faladas ao alto falante, muitas luzes, bandeirinhas, concurso de quadrilhas. Enfim, uma verdadeira festa coletiva. As pessoas passeavam entre as barracas, paravam em uma ou outra, atiravam com tiro ao alvo de rolha ou lançavam aros na tentativa de ganhar prêmios caso a argola caísse circundando o objeto.

Tudo vai bem, mas eis porém que de repente... A pareceu uma barraca com uns cinco metros de comprimento por dois de largura. Ao fundo, uma imensa cara de palhaço, no lugar da boca um furo circular de uns 30 centímetros. Na entrada, uma barra branca pintada no chão. A brincadeira consistia em chutar uma bola de futebol com a bola parada na barra em direção à boca do palhaço. Quem acertasse a boca do palhaço e a bola entrasse no buraco ganhava um prêmio. Cada cinco cruzeiros (vale para reais), dava direito a um prêmio. Se o sujeito acertasse as três bolas podia optar entre uma boneca ou um litro de um vinho marca diabo. Chapinha era vinho francês comparado a ele. Todos da nossa turma tentaram, mas quase nenhum conseguiu encaixar as três bolas seguidas. Afinal, quem queria boneca? Nosso interesse estava no litro de vinho.

Em nossa turma, o Johny Del Vecchio, irmão do grande centroavante do Santos e da Seleção Brasileira, era o melhor jogador de futebol. Joninho era fera, apesar da pequena estatura. Chamamos Joninho, ele foi à barraca, comprou três séries de três chutes e acertou duas dessas séries, acertando duas bolas na terceira. Pegou dois litros de vinho e uma boneca. Bom menino, muito comportado, Joninho praticamente não bebia. Nossa turma se encheu de vinho.

Nos dias seguintes, a gente pagava para Joninho chutar na boca do palhaço, cuja cara estufava a cada chute. O dono da barraca ficava desesperado, pois Joninho errava cada dia menos. E agente tomava uns porres legais. Por mais vagabundo que fosse, cinco reais era um preço muito barato.

Encerrada a quermesse, a barraca sumiu. Nas edições dos anos seguintes não apareceu. Acho que foi por medo do Joninho.

Santos 02/01/2019

Paulo Miorim
Enviado por Paulo Miorim em 03/01/2019
Código do texto: T6542021
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