“NOSSA BANDEIRA JAMAIS SERÁ VERMELHA”, MAS...

Se o vermelho não pode ser a cor de nossa bandeira porque representa uma ideologia, o mais sensato, portanto, é que ela fosse incolor.

Claudio Chaves

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Minha reação espontânea e imediata é a vontade de rir diante de alguns bordões criados por mentes inescrupulosas, ambiciosas e dissimuladas sem nenhum outro propósito ou fundamento que não manipular e explorar a massa incauta, frustrada e egoísta.

Mas a situação é muiiiiiito mais séria, mais complexa e mais grave.

A ação de manipular a mente humana, aliás, é, pra mim, algo tão intrigante e instigante que quanto mais a estudo, mais ela me surpreende; e quanto mais me surpreende, mais me atrai – é um processo meio sádico de alimentação e retroalimentação mais ou menos como a velha história do cachorro tentando morder o próprio rabo.

Não raras vezes, chego a suspeitar haver no cérebro humano determinada parte reservada excepcionalmente pra isso: a manipulação, sem a qual o funcionamento de nossa mente jamais seria completo. Credo!

Quando dezenas de milhares de pessoas entram em êxtase sob um bordão bizarro e piegas como “nossa bandeira jamais será vermelha”, e se uniformizam de verde e amarelo em combate, “diz que”, a uma ideologia perniciosa e, simultaneamente, um gesto de autoafirmação de nossa brasilidade, me sinto muito mais tentado ainda a crê na veracidade da premissa formulada a partir de minhas perturbadoras conjecturas.

“Nossa bandeira jamais será vermelha”! “Somos brasileiros; e o verde e amarelo são as cores de nossa Pátria”, bradam os autointitulados patriotas cheios de garbo e empolgação.

Ora bolas! Se o vermelho não pode ser a cor de nossa bandeira porque representa uma ideologia, o mais sensato, portanto, é que ela fosse incolor. Afinal, se o verde e amarelo estão lá e não representam ideologia alguma, melhor que não estivessem; ou então somos um povo que se orgulha de termos como símbolo nacional cores que representam o nada.

É óbvio, lógico e incontestável que o verde e amarelo que lá estão são tão resultante de uma ideologia (e igualmente ou mais perniciosa) quanto o vermelho, o branco, o azul, o lilás ou até o arco-íris que fosse!

Ainda que a bandeira fosse incolor, para não representar nenhuma ideologia, isso, em si, seria uma ideologia; ora sebo!

Talvez mais piegas do que gritar efusivamente na multidão “minha bandeira jamais será vermelha” só mesmo acreditar que o verde e o amarelo (assim como as demais cores e próprio formato da bandeira) têm mesmo alguma coisa a ver com o Brasil e com brasilidade, e não com ideologias políticas e de dominação da massa, como o vermelho, o preto, o laranja (aliás, esta última é a preferida dos manipuladores de plantão) ou qualquer outra cor ou símbolo inventado pelo homem.

De fato, tristemente talvez nossa bandeira jamais será mesmo vermelha. Mas, considerando a quantidade de sangue verdadeiramente brasileiro – pra falar apenas dos milhões de índios covardemente assassinados pelos europeus – derramado sobre nosso solo, em paralelo com o engodo e a manipulação criminosa a partir do verde e do amarelo, que jamais representaram nossa identidade, antes, pelo contrário, é a eterna permanência do domínio colonizador sobre nós, certamente faria muito mais sentido que ela assim o fosse.

Por outro lado, porém, que necessidade há de termos uma bandeira vermelha quando o solo do país que ela representa já se encontra embebido pelo líquido vital dessa cor nele despejado a partir do martírio de milhões de nossos ancestrais e tantos outros que tombaram e, diariamente, tombam sob a utopia da construção desse Brasil verdadeiramente brasileiro?

De fato, não precisamos mesmo de uma bandeira vermelha – e, muito menos verde e amarela – pra mantermos na memória a imagem do que e de quem somos.

Se a questão é a cor e o que ela representa, suficiente é apenas olharmos para o chão debaixo de nossos pés.