Ainda vou ser herói

A paisagem é linda: um mar, mas pode ser um rio se a receita for baixa; pés descalços; um policial durão, aposentado, e uma filha. Nunca é um filho, sempre usam uma menina, linda, mas menina, confirmando que o cachê que se paga às mulheres sempre é mais baixo que aquele que se paga aos homens, mesmo quando o “homem” for um menino, figurante em filme de ex-policiais. Cabe, ainda, ressaltar, que o ex-policial sempre é divorciado, a mãe da menina, nunca menino, também nunca aparece, o que não deixa de ser uma corte de despesas, afinal é um personagem virtual, que não requer custos.

Uma chegada triunfal... o antigo chefe aparece solicitando a presença do ex-policial, para que deixe de ser ex, e volte à ativa, para uma última missão, pois não se faz policiais como se fazia antigamente, e aquele, agora aposentado, é o que soma mais virtudes, aptidões e recursos para desvendar o crime que está sendo apresentado, para a devida elucidação.

Nem sempre, mas quando a direção do filme quer acirrar o ódio, além do crime a ser elucidado, a filha do ex-policial é assassinada, deixando sempre em aberto a possibilidade daquele assassinato ter sido mais um corte no custo da filmagem.

Usando um pouco da poesia, o arsenal, cheirando a guardado de tanto esperar (Chico Buarque) é escancarado, revelando armas, ainda desconhecidas para muitos países do Terceiro Mundo.

Uma faca na meia; uma pistola na cueca, e sem insinuações maliciosas; um coldre na cintura; um arco e flecha nas costas; um rifle de repetição em cada uma das mãos, o que leva à indagação: como ele vai atirar se estiver com as duas mãos tomadas? Outra dúvida que se instala: ele não perderá suas naturais habilidades carregando tanto peso? Acho que as granadas não foram citadas...

Um rio de sangue, não qualquer rio, mas um do porte do Nilo, Mississipi; ou Amazonas, corre pela tela; centenas de figurantes mortos são resgatados, e trazidos de volta à vida, para dar continuidade à matança.

Geralmente o antigo ex-policial sofre um ferimento, que requer uma sutura feita à sangue-frio, o que dá uma fantástica veracidade, autenticidade à cena; e o antigo, agora novo herói a tudo suporta de forma estoica, brava e sem lamúrias.

Eu também sou aposentado, na minha casa tem muitos pernilongos, mas não tenho rio, muito menos mar por perto; não gosto de andar descalço, e minha filha não mora comigo. Somando os quesitos que podem fazer de mim um herói, mesmo considerando que não preencho todas as exigências, reúno atributos para vir a ser um clichê policial.

Roberto Chaim
Enviado por Roberto Chaim em 02/01/2019
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