O BAR DO TIRSON

Ontem, antes de hoje; amanhã, depois de nunca mais; mês que vem, com a mesma paciência e pontualidade de agora. Inevitavelmente, somos todos atemporais.

Segundo estudos científicos, com o passar dos anos, ocorrem alterações cromossômicas em nossos corpos que desaceleram o seu metabolismo e causam o envelhecimento das suas células, provocando o surgimento de uns fiozinhos de cabelo branco aqui, alguns quilinhos a mais acolá, relativa e progressiva falta de memória, além de outros fatores físicos e ou psicológicos. Mas apenas esses indicativos já são o bastante para que alguém logo diga: ahááá! Você não é mais novo, cara!

Novo? Como assim?!

O homem inventou a noção de tempo e, fatalmente, tornou-se velho. Melhor, classificou-se como velho. Melhor ainda — virou —, esse verbo nunca esteve tanto em moda: “Está chegando a hora da virada!”; “Vamos virar a mesa!” “Sabe aquele carinha? Virou gay.” — virou velho, o homem virou velho.

O tempo, porém, em sendo pura abstração do nosso consciente, é único. Ele é, portanto, hoje, um dia que não tem a ver com noite; uma noite que não tem a ver com dia, a eternidade sem frações cronológicas. Sempre é ao vivo, da hora, inquebrantável! Ontem e amanhã são meros artifícios criados para a manutenção da logística — outra palavra da moda — dos atos e fatos aritméticos da nossa sociedade agora dita contemporânea.

Pelo fato de sermos mortais e logo impotentes para lidar com os efeitos da indivisibilidade do tempo, buscamos fracionar e classificar tudo à nossa volta. Sabemos, por exemplo, que as ciências exatas, humanas e naturais encontram-se assim distintas por conta apenas de mero recurso didático, pois o conhecimento humano é único. Não existe onde termina a matemática e começa a biologia, a química ou a filosofia. O próprio mundo não foi ou será; ele o é. Ou seja, ocorre nesse tempo único universal, sem antes e nem depois e é cem por cento em tudo. Aliás, nós somos também cem por cento em tudo. Inclusive, cem por cento humanos. Mesmo que, na prática, alguns comportamentos particulares de indivíduos da nossa sociedade suscitem dúvidas.

Ainda na contramão do conceito lógico desse tempo único e universal, estão as datas que predeterminamos. As mais comuns, já sabemos, são as da celebração dos nossos eventos festivos, como o Natal e Carnaval. Existem algumas de minorias sociais e que são bizarras, como o dia internacional dos canhotos ou dos jornalistas católicos. Mas existem datas ainda mais bizarras, como a do dia da toalha, a do orgasmo ou a do dia mundial do ovo e... Não acreditoooo! Eu me empolguei tanto escrevendo esse texto que ninguém vai ler, que acabei perdendo a hora de pegar a pulseirinha do réveillon do bar do Tirson no Campo Grande.

Masé Quadros
Enviado por Masé Quadros em 31/12/2018
Código do texto: T6539676
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