CAIXA DE UM PÁSSARO SÓ
PARA VIVER ENTRE CEGOS
PARA VIVER ENTRE CEGOS
O homem, que durante o dia procurou no youtube um filme bengalês e acabou encontrando, sente que todo mundo enlouqueceu. E quando tudo parecia perdido de fato, eis que se enxerga algo novo no horizonte. Basta por uma venda nos olhos para não morrer. Ele pensa em fazer isso, quem sabe ficar sem comunicação com o mundo. Há uma patrulha ideológica nas redes sociais, terrível.
O homem acorrentado aos versos fica em casa como os personagens de Bird Box, ainda bem que ele tem um periquito que salvou quando esse estava perdido e machucado em sua garagem, livrando-o do tipo de monstro que não faz barulho, a não ser quando está acasalando sobre o telhado. Não é o vento que assusta o homem que não tem mais cabelos longos, mas que ainda curte heavy metal. O que assusta o homem é a chuva, mesmo tendo consertado as goteiras de sua copa.
Chuvas de verão aterrorizam, assim como um amor inseguro. Chuvas de verão desmarcam compromissos, atrapalham encontros, interferem na rota planejada. É como um resultado eleitoral. Passará se a democracia seguir seu curso normal. Mas as chuvas de verão, assim como a enchente da goiaba em dezenove de março, andam tão imprevisíveis que nem sabemos mais quais monstros temer. Se os lá de fora ou os cá de dentro.
O homem acorrentado às reflexões, influenciado pela leitura do recém-lançado Manual não injuntivo de como criar um monstro, do escritor cariotuense José Ronaldo Siqueira, se olha nos filmes da Netflix tentando entender a correnteza da vida de quem se aventura a navegar sem ver os sopros aterrorizantes que estão margeando a rota enquanto enfrentamos as corredeiras que antecipam o alcance do objetivo na jornada do herói que somos.
A arte ajuda a interpretar a vida, é uma máxima simples de formular. Fazer de cada momento da vida uma obra de arte, é o mínimo que precisamos para, mesmo entre cegos, enxergar o exíguo mundo que ainda nos resta.
30/12/2018