Crônicas de Pai para Filho - Uél, Manuél!
Contei ao meu pai uma piada uma vez, que mudou sua forma de ver a vida.
Ele não perdia a oportunidade de repetir a anedota a quem fosse. Malgrado meu, ele assumiu para si a autoria da mesma de tal forma, que mesmo eu chegava a duvidar se realmente tinha sido o responsável por incluir em seu repertório tal jocosidade.
Eis a chalaça como a ensinei:
"Aeroporto de Tel Aviv. Agentes da Mossad verificam documentos dos recém-chegados.
Na fila um corpulento agente interroga:
- Nome?
- Holmes. Sherlock Holmes.
- Pode passar. Próximo! Nome?
- Bond. James Bond.
- Pode passar. Próximo! Nome?
Então o português responde:
- Uél. Ma-nuél.
- Porrada nele."
Ele usava esta piada como uma marca registrada. Não havia um lugar onde ele não introduzisse essa piada sem graça nenhuma no meio da conversa.
E não havia quem não caísse na gargalhada quando ele a narrava. Não porque fosse boa, mas porque quando ele a contava, o fazia com tanta paixão que parecia despertar no interior do ouvinte um mecanismo de gargalhadas.
Ao falar assim, pareço estar exagerando, mas a obsessão por contar essa piada alcançou níveis realmente inacreditáveis.
Certa vez levei ele a um noivado de um casal do meu minúsculo círculo de amizades ( círculo que diminui tão vertiginosamente que já estou com amizades no negativo ), e ele durante o brinde levantou a taça de guaraná e soltou:
- Amigos, este momento único na vida deste casal me traz a memória um acontecimento tão igualmente único ocorrido no movimentado aeroporto de Tel Aviv...
O mais improvável aconteceu quando do aniversário de um ano do primogênito desse mesmo casal ( sim, inoportunamente, o levei outra vez ), ele antes do tradicional parabéns, pediu silêncio à platéia e foi dizendo:
- Amigos, esta data festiva me lembra de uma outra data longínqua quando no aeroporto internacional de Tel Aviv...
Sim, ele variava a introdução da piada conforme a necessidade.
Em um consultório médico onde se consultou quando um surto de dengue lhe incluiu entre as vítimas, seguiu-se o improvável diálogo:
- Como está a dor no corpo?
- Doutor, estou me sentindo tão dolorido quanto o pobre coitado que foi vítima de uma grande confusão no Aeroporto de Tel Aviv...
Durante um simpósio sobre a causa sionista, pediu um aparte durante a fala do célebre ensaísta David Ben-Ami. Subiu ao púlpito debaixo de um silêncio ensurdecedor. Corrigiu a posição de seus óculos de leitura e após uma olhada crítica para a platéia, falou em tom protocolar:
- Caros irmãos e autoridades presentes, a causa sionista é a engrenagem fundamental da manutenção de um estado forte de Israel. O que não podemos tolerar é que fatos como o que vou apresentar aqui possam continuar ocorrendo. - e após uma pausa teatral - No nosso tão importante aeroporto de Tel Aviv...
Era incrível!
Os anos passados não diminuiram a sua euforia em narrar essa ingênua piada.
Eu mesmo durante seu funeral, fui encarregado de lhe prestar a homenagem final. Ao lado do pequeno pastor menonita, diante dos presentes, suspirei e falei com emoção crescente na voz:
- Familiares e amigos, é neste momento de profunda tristeza, que digo a vocês que a morte pode ter tirado do nosso convívio este homem, mas, jamais ela teria a força de apagar as suas histórias. Dentre elas, a mais tocante ocorreu quando de sua passagem pelo aeroporto de Tel Aviv...
A mais bela das esposas ( outra vez parafraseando Kishon ), meteu na cabeça que eu saí igualzinho a ele.