Coisas da minha Infância
A tia Josefa se levantava as cinco horas da manhã, para fazer um café quente e depois toma-lo com batata cozidas um dia antes. Depois das cinco horas ninguém em nossa casa ficava dormindo porque tinha algo a ser feito. A tia Ana ia olhar os seus pintos novos e dar de comer às suas galinhas, eu me levantava e ia buscar a vaca bordada da titia para o meu primo Agostinho tirar o leite e depois eu ia levar a nossa vaca ao cercado do rio Jaguaribe onde tinha boa pastagem. Quando dava oito horas eu seguia para a escola da dona Liquinha Ferreira em Timbaúba dos Simplícios. No nosso lar humilde ninguém ficava parado, cada um fazia alguma coisa em torno da própria vida. A tia Marica cuidava das suas rendas, dos seus crochês e quando lhe sobrava tempo ela lia um bom livro ou um cordel do seu interesse. Eu via sempre a titia lendo Luis Augusto Rebelo da Silva, o grande contista lusitano e autor do conto A Corrida de Touro em Salvaterra, uma cidade espanhola. A tia Josefa depois de varrer a casa e limpar os pratos ia rezar, ia fazer a sua labuta de praxe, que era sempre o que ela fazia. Nunca faltava gente em nossa casa para falar de igreja e de missa, porque a tia Josefa dava enorme valor a falar de coisas da religião. A tia Ana Rosa não tinha muito tempo para Deus porque ela tinha outros afazeres e cuidava da sua criação dos seus porcos e muitos outros animais domésticos. Eu sempre tive liberdade de brincar e fazer aquilo que eu queria sem prejudicar a ninguém. O meu irmão Zacarias era quem fazia os meus brinquedos de menino pobre e solitário. Eu tinha o meu carro de carneiro feito pelo meu irmão que me queria muito bem por eu ser o mais novo, e também irmão órfão. A minha vida naquela casa grande era boa demais porque eu tinha tudo quanto eu gostava como filho de pobre e sobretudo um menino órfão desde os dois anos de idade. A morte de minha mãe sempre me fez muita falta no entanto eu tive três mães exemplares que me deram muito carinho e um ingente apoio o tempo todo. Nunca eu irei esquecer a minha vida de menino pobre no solarengo do meu avô Agostinho de Santiago Neto. Ali naquele casarão imenso tive o prazer de ler grandes escritores brasileiros e portugueses como também os clássicos universais. Na secretária do meu avô não faltava um bom livro ou o dicionário de Antonio Moraes e Silva ou a gramática metódica de Napoleão Mendes de Almeida que eu lia sem saber de patavina alguma. A titia tinha estudado Napoleão Mendes de Almeida com o seu docente Teodorico Veloso e explicava algo sobre a regência verbal. O café quente da tia Josefa ficou dentro de mim para sempre como também as leituras boas que a tia Marica fazia e me levava aos livros, aos sonetos como também a escrever bons textos literários.