Crônicas de Pai para Filho - Tiradas do Papai

Meu pai realmente era uma figura única. Sempre tinha na ponta de sua língua ( como ele mesmo gostava de afirmar ) uma "tirada" sobre toda situação.

A piada sobre "Uel, Manuel" ( sobre a qual farei um texto próprio ), era repetida frequentemente seguida de risos regado a lágrimas.

Confesso que eu ria também, mas não da piada, e sim contagiado com o entusiasmo com que ele a repetia com o rosto molhado de tanto rir.

Certa feita, ele foi a um posto de saúde acompanhando alguém que me foge à memória, e iniciou uma de suas exibições filosóficas.

Durante a prédica virou-se para uma senhora de aparência sofrida e usou-a como exemplo vivo do descaso das autoridades para com o povo. Perguntou a ela qual seu problema, e ela lhe jogou na face a deixa para mais uma das suas "tiradas":

- Estou tentando marcar uma cirurgia para uma "ursa no estambo"!

Após um momento de contemplação, ele deu seu veredicto final:

- Realmente é um caso grave! Imagine a dor insuportável que ela deve provocar ao arranhar tentando sair?

E caiu em uma gargalhada tão longa, que banhou as pessoas mais próximas com suas lágrimas, diante de um olhar escandalizado da vítima de tal doença tão malígna.

Ele parecia não ter limites.

Certa vez me acompanhou até a casa de minha mãe ( eram divorciados ), e ela nos ofereceu café. Prontamente aceitamos ao oferecimento.

O fato é que eu costumo tomar café sem açúcar. E minha mãe serviu dois copos ( xícara era para visitas ilustres, portanto jamais eram usadas ).

Em um dos copos havia quase dois dedos a mais de café, e ele atacou com tal ferocidade o copo mais cheio, que tomou metade da bebida de uma vez.

Ao sentir na boca o gosto amargo do café não adoçado, olhou-me assombrado, e virando para minha mãe questionou:

- Isso é café ou fedegoso?

Essa virou outra de suas histórias favoritas quando estava comigo, que era sempre completada com:

- Sua mãe queria me matar.

Nunca admitiu que sua "gulodice" foi a culpada pelo infortúnio.

Realmente, meu pai foi uma figura.

Hoje quando a mais bela das esposas ( parafraseando Efraim Kishon ), me fala:

- Você é igualzinho ao seu pai.

Isso me faz rir por dentro.

E sempre me lembro do que ele dizia para ela quando eu lhe presenteava com uma das minhas "ranzezices":

- Não sei a quem esse guri puxou!

E ela respondia sem cerimônia:

- Ao senhor.

Realmente.

Meu pai era uma figura.

Tarciso Tertuliano Paixão
Enviado por Tarciso Tertuliano Paixão em 28/12/2018
Reeditado em 01/09/2021
Código do texto: T6537174
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