O beijo técnico
A crônica do nosso encontro poderia muito bem se chamar “o beijo técnico”, até aquele dia não havia tido a sensação de prova lo, li que os artistas dão beijo técnico quando estão em cena, então, será que a bailarina, atriz, coreógrafa, KB estava atuando comigo? Fazia ela uma de suas incontáveis atuações cênicas dentro do carro, de madrugada, em frente sua casa na Mooca?
Um beijo técnico. Sabe por que? Ora, minha língua procurou a língua da bailarina, atriz e coreógrafa e não a encontrou no lugar em que deveria estar, foi como beijar um imenso vazio sem língua sem dentes sem palato! Foi algo como um trivial passeio noturno em Sampa, em que assistimos a um filme num destes cinemas da avenida paulista, o filme? “A vida em si” antes comemos um Beirute num restaurante chamado Frevo na rua augusta. Por que ela me beijaria de língua, se mal nos conhecíamos, mal nos olháramos nos olhos? E quanto à mim? Que em matéria de traquejo facial sou menor que o menor canastrão! Como minha língua encontraria a sua, sem um pouco mais de intimidade? Durante a sessão, com mais dois, três expectadores, (àquela hora da noite poderíamos ter praticado em toda sua variedade a arte fescenina naquela sala de cinema!) trocamos comentários inteligentes ao pé do ouvido sobre o filme, com uma história cheia de reviravoltas, contada ora de trás pra frente, ora de um ponto qualquer a outro ponto indeterminado... falei em voz baixa quase sussurrando, sobre a teoria do “falso narrador” procurando preencher um certo silêncio perturbador.
Mas foi pouco, este contato superficial não fora suficiente para, enquanto me dava um insípido beijo técnico, esticar sua língua úmida, como uma minhoquinha que sai da toca para ver a noite derramada em minha boca, e encontrar, cheia de volúpia, a minha língua!