CAFÉ DA MANHÃ

Escuro soberano na janela aberta.

Ventarola leve amenizando o calorão da madrugada.

Podia ver a lua iluminando o céu.

Amanhecer fazia-se distante.

Nem tanto.

Vencidos e aquietados os trinados das sabiás, era ficar-se à espera do cacarejar de Chantecler.

Um breve silêncio para cochilada fugaz, vez um e outros latidos ao longe tornavam à vigília.

No olhar vago a fitar o teto, imagens de suas rotineiras obrigações acenavam nas sombras do cômodo sem luz de fiação elétrica.

Prender os cães soltos a impedir, ou amenos alertar, visita de estranhos, durante a madrugada. Furtavam pequenos pertences ou roupas do quaradouro.

Alimentar o galinheiro. Colher ovos.

No trajeto, espantar pássaros que não respeitavam o espantalho e saboreavam o pomar.

Nos ínterins das tarefas, saudava os costumeiros bons dias de caminhantes, em trânsito diário pela estradinha que beirava a porteira rumo à grandeza do dia a raiar.

Não necessariamente nessa ordem.

Tempos sem pressa.

Vem-lhe urgente necessidade de tomar café, a garantir energia para os labores matinais.

Sabia, de ensinamentos transmitidos dos mais velhos, que saco vazio não para em pé.

Ajeita-se na roupa, para enfrentar a rotina.

Confere a existência de restos de leite fervido na vasilha. Não houver, uma rápida ordenha passará à frente na sucessão de necessidades.

O café estará moído, certamente.

Talvez.

Mais outra necessidade passando à frente.

Moer grãos.

Pega no armário o pão adormecido da última refeição do dia anterior.

Experimenta um naco... Digerível.

Não mastigar nada mais de dez horas escuras dá sabor a qualquer desjejum.

Olhar à janela, retorno à realidade.

O pensamento nos problemas não realizados no dia de ontem, desorganiza o nascer do dia.

Não está mais no velho sítio onde viveu o desabrochar de viver.

Não há ordenhas, nem moer grãos na lista de rotinas.

Comer pão amanhecido, apenas para aplacar eventual fome na madrugada.

Enquanto descansava, na moradia simples da zona urbana, quantos afazeres outros fizeram, sem pedisse.

Olha-se feliz no espelho, ao pensar menos preocupações.

Parece não carecer nada.

Pão fresco e quentinho à mesa.

O padeiro estava preparando a massa antes da cantoria dos sabiás, só para satisfazer sua fome matinal.

Fábricas ignorando cantar de galos, empacotavam o Café. Nestes tempos de modernidades, já vem em saquinhos, na medida correta para a xícara de leite, fresco e aquecido à imitar o pão, tirado da máquina.

Somente os bons dias respeitosos dos passantes parecem os mesmos do tempo distante.

Todos têm pressa.

Menos ele.

Saboreia lento, como seu dia que não tem mais pressa, o café matinal servido ao seu simples pedido, na mesa da padaria.

Sente-se reinar sobre a vida,

Sorri pra dentro.

Lágrima, saudosa, inevitável escorre.

Pedro Galuchi
Enviado por Pedro Galuchi em 22/12/2018
Código do texto: T6532944
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.