O SARAU
Sentei num banco próximo ao quiosque de um parque onde estava rolando um sarau. O cara que se apresentava fazendo malabarismo usava um shorts bicolor com suspensório e camiseta no momento em que uma garota se acomodou ao meu lado. Perguntou se eu gostava de me expressar artisticamente. Disse qualquer coisa que esqueci, – algo curioso é que, quando alguém encosta repentinamente, consigo recordar minhas palavras, só que, nesse caso, não lembrei do que respondi; não sei se porque ela detinha uma beleza impactante da qual, num instante primitivo, fui dominado por um instinto carnal, ou se simplesmente fora a presença súbita, pois não esperava qualquer aproximação – entretanto, como eu ia dizendo, após isso, notei castanhos olhos grandes por trás dos óculos arredondados, lábios grossos quando falou comigo, e as pernas se cruzando. Contou que recitaria uma poesia. Vestia roupas pretas então perguntei se declamaria uma elegia, e a garota sorriu debilmente. Conversamos trivialmente até que, em sua deixa, se afastou para conduzir o público com expressões críticas sobre a construção da virilidade masculina ao decorrer dos séculos.
No começo do discurso assimilei, principalmente, seus aspectos físicos: cabelos médios encaracolados caíam em sua cabeça, sardas sutis pintavam a pele clara de seu rosto sobre a ponte do nariz fino, e às vezes ajeitava o cabelo atrás da orelha com todo cuidado. Articulava com voz férrea seguida de gestos e, na medida em que seus versos cresciam, especulei se minhas impressões se encaixavam no que ela proferia em forma de protesto.