O Homem Fechadura

Quantas foram as chaves,

Que se deparou o Homem Fechadura.

Uma só portanto o abria.

Eram tantos tamanhos! Quantas cores!

Ouro, prata, cobre.

Havia até uma de pedras!

Porém nenhuma delas abria o Homem Fechadura.

Por nenhuma delas o Homem Fechadura se deixava abrir.

Encontrou uma chave de ferro que parecia funcionar.

Porém logo enferrujou.

Encontrou uma chave de âmbar.

Essa até entrou, mas logo não girou.

A chave de chumbo era bonita, lustrada, até brilhava.

Mas entortou facilmente.

E mesmo depois do Homem Fechadura tê-la jogado fora,

Viu alguns que por ela brigavam.

"Não toque nessa aí! Ela entorta!" - Gritava de longe o Homem Fechadura.

Mas quem disse que davam ouvidos.

Como estava cansado o Homem Fechadura,

Quando enfim decidiu procurar por um chaveiro.

O Chaveiro, homem nobre, de bom grado o examinou.

Olhou, olhou, virou.

Pegou uma lanterninha.

olhou, olhou, virou.

O Chaveiro entendia tanto de chaves, mas também de fechaduras.

"Hmmmm", disse o Chaveiro no final, com um olhar curioso.

E contou ao Homem Fechadura sobre uma tal de chave mestra.

-Chave Mestra? E isso existe? - Espantou-se o Homem Fechadura.

"Óh e como existe." - Brincou o Chaveiro.

Contou ao Homem Fechadura que era feita de espinhos.

-Espinhos? - Sorriu o Homem Fechadura com os olhos.

-Sim. Como os espinhos da roseira - esclareceu.

Como soou estranha aquela história quando ouviu o Homem Fechadura.

Lembrou-se, subitamente, de já ter visto a tal da chave mestra em algum lugar.

Mas...

Sabia onde ela estava.

Estava a vista de todos, mas ninguém a via.

Como era simples a chave mestra.

Seria possível?

O Homem Fechadura agradeceu o Chaveiro.

Sabia bem onde procurar. Embora receoso.

Estava próximo dum molho de chaves bem bonito.

Onde um povo gritava ao redor.

"Eu quero aquela!" - Gritava um

"Não, aquela é minha!" - Gritava outro.

"Não toque nessa aí. Ela enferruja" - O Homem Fechadura teve vontade de dizer.

E não é que o Chaveiro estava certo.

A chave mestra repousava, longe da atenção de todos.

Seus espinhos eram afiadíssimos.

Pra falar a verdade,

A chave mestra nem sequer parecia uma chave.

O Homem Fechadura passou pela gritaria.

Com suas mãos tomou com cuidado a chave de espinhos.

Com cuidado para não se furar.

E tentou a tal chave mestra.

Entrou como uma meia quente numa manhã de inverno.

Estranhamente os espinhos não machucavam.

Cada espinho encontrava o seu caminho dentro do Homem Fechadura.

Cada buraco era preenchido.

Cada vaga graciosamente ocupada.

Abriu-se como uma rosa quando desabrocha na primavera.

O Homem Fechadura riu quando notou que não fora preciso nem girar a chave.

Ninguém o viu partindo.

Quando o Homem Fechadura foi-se embora.

Com a chave de espinhos encaixada no peito.

Tudo isso passou despercebido daquela multidão.

Não havia ninguém que sentisse falta da tal da chave mestra.

Ou, acredite se quiser! Alguém que acreditasse que existia tal coisa.

- "Óh e como existe!"

"Eu quero aquela!" - Gritava um.

"Não, aquela é minha!" - Gritava outro.

- "Cuidado! Essa quebra fácil!" - O Homem Fechadura teve vontade de dizer:

Como estava feliz o Homem Fechadura quando foi embora.

Cantava uma canção desconhecida.

Algo sobre sobre espinhos e chaves.

O Homem Fechadura agora era Homem Chave.

Seu rosto resplandecia enquanto contemplava em si aquela chave.

Aquela tal da chave mestra. "Oh. Como Existe".

Que através de seus espinhos levava o Homem Fechadura,

De volta a suas moradas.