Júnior

Eu não quero creditar isso a uma necessidade típica da idade, prefiro entender, e anunciar como uma preocupação natural daqueles que se preocupam com o conforto pessoal.

É tão confortável sentarmos tendo os pés colocados sobre uma banqueta, mantendo as pernas na horizontal, particularmente se passamos grande parte do nosso tempo em frente de um computador, e sentimos as pernas formigando, quentes, e se ruborizando, como se tivessem sido surpreendidas espiando pelo buraco da fechadura... alguns diriam:

-Pernas não espiam através de fechaduras; o que me levaria a retrucar

-Mas pernas ruborizam

Terceirizar responsabilidades está se tornando uma prática recorrente; alguns afirmam que não assistem a novelas, mas acabam assistindo, pois, as empregadas deixam a televisão sempre ligada nos canais das novelas; para o BBB também valem as mesmas desculpas, mas, no meu caso, fico, injustamente, prejudicado sem ter a quem creditar o meu propósito... nem adianta dizer que estou comprando uma banqueta pra os pés, que seria um presente para o meu avô, sendo que ninguém acreditaria que eu, na minha idade, eu tenha avô.

Não encontrei a dita pela com facilidade, tive que apelar para uma loja de antiguidades, ou relíquias, se alguém assim preferir, e a perseverança meu levou ao alvo pretendido, encontrei.

Percebi, de imediato, que aquela banqueta não foi planejada como um utensílio para descanso dos pés, era toda artisticamente talhada, e, com certeza, no planejamento original, previa-se um banco de rica penteadeira, onde se sentariam privilegiadas pessoas da corte, tal a riqueza de detalhes e beleza artesanal.

Sou perspicaz, nitidamente me ficou claro que aquela peça não era algo para o meu bico, e muito menos para os meus pés, ainda assim perguntei o preço

O vendedor foi eloquente, foi criativo, e até um pouco libidinoso, afiançou que naquela banqueta, um czar, do antigo império russo, tomou no colo a sua amada czarina. Confesso que, intimamente, fiquei imaginando como seria fazer amor numa reduzida banqueta como aquela; que imperador abandonaria sua enorme cama para se valer de um reduzido móvel? Isaac Newton confirmaria que a Lei da Gravidade iria sobrepujar aos arroubos amorosos, e que não haveria equilíbrio, que pudesse manter dois amantes voluptuosos sobre aquele banquinho, não fui grosseiro, não questionei o argumento do profissional de vendas.

Ciente do preço, perguntei qual seria a previsão de entrega:

-Não fazemos entregas, a peça é bastante pequena, e o senhor poderia levá-la, por menor que seja seu carro.

Uma das minhas maiores virtudes é nunca perder a oportunidade de ser sarcástico:

Mas esta peça não é apenas uma maquete? O preço que o Senhor me passou me levou a imaginar que eu estivesse comprando a “banquetinha”, a cama desprezada, e quem sabe a fogosa imperatriz que protagonizou o seu comercial improvisado. Nunca eu teria suposto que estivesse comprando, por este preço, apenas o Júnior

Roberto Chaim
Enviado por Roberto Chaim em 21/12/2018
Reeditado em 21/12/2018
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